sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 2 de março de 2017

O ágora dos estrangeiros

O Festival das Migrações foi no passado o palanque público onde os estrangeiros reivindicavam direitos. Chegou a ser ponto de passagem obrigatório para políticos, representantes de partidos e mesmo do Governo. Agora, já não. Porquê?

O Festival das Migrações já não é o que era. Por um lado, temos de constatar que o certame melhorou materialmente. A casa onde o festival recebe anualmente 30 mil visitantes é mais digna desde que em 2005 o festival se instalou na Luxexpo, em Kirchberg.

Quem se lembra do vetusto e exíguo hall Victor Hugo, onde os então cerca de 80 stands (hoje são 400!) se empoleiravam uns em cima dos outros e o então recém-nascido Salão do Livro e das Culturas (criado em 2001) era relegado para uma tenda no exterior, impedido de crescer.

Sem falar no estacionamento “selvagem” de responsáveis dos stands e dos então 20 mil visitantes que invadia ruas e passeios do Limpertsberg, para indignação dos moradores do bairro e gáudio dos agentes comunais que passavam três dias a emitir multas.

O certame também melhorou na qualidade e na diversificação da oferta. Não só há mais expositores, mas há mais países e associações representados, mais stands gastronómicos, mais artistas e grupos musicais em cima e fora do palco. E o Salão do Livro ganhou em 2013 um irmão mais novo, o Artsmanif, onde artistas plásticos do Grão-Ducado e da Grande Região, que procurem uma montra, podem resgatar as suas obras do anonimato dos seus ateliês.

Mas se o Festival das Migrações ganhou em todos estes campos parece que o CLAE, o Comité de Ligação das Associações de Estrangeiros, que organiza o certame desde o início dos anos 80, parece ter desistido da luta política. Ou pelo menos, afrouxo o ritmo da luta.

O festival, através das associações afiliadas ao CLAE, começou no final da década de 80 por ser um palanque público onde os estrangeiros reivindicavam o direito de voto nas eleições comunais e legislativas. Foi ponto de passagem obrigatório para políticos, representantes de partidos e mesmo do Governo.

Nos anos 90 a luta não desarmou e nos sucessivos festivais dessa década o direito de voto nas comunais era tema recorrente. No festival, as palestras sobre o tema multiplicavam-se, o visitante interessado não conseguia “ir a todas”, os debates eram animados e inflamados. Em 1999, os estrangeiros puderam votar pela primeira vez nas eleições locais.

É essa índole reivindicativa e de espaço público de discussão dos temas atuais, sociais e políticos fraturantes, que tem faltado às recentes edições do festival. É disso que muitos visitantes se queixam, de o certame se contentar em ser apenas “festivaleiro”. Talvez isso seja o reflexo da falta de verbas de que o festival sempre sofreu.

Este ano, o CLAE quer insistir na sensibilização junto dos residentes estrangeiros para que se inscrevam nos cadernos eleitorais por forma a poderem votar nas eleições comunais de outubro próximo. Que ferramentas, que argumentos de sensibilização, que campanha tem o CLAE previsto? Que verba? Só vontade não chega. E o Governo não ajuda.

José Luís Correia
in Contacto, 01/03/2017

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