sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

EDITORIAL no Jornal CONTACTO: "Velhos são os trapos" OU "Este não é um país para velhos...portugueses"

Um estudo da Universidade do Luxemburgo mostra porque há poucos portugueses nos lares da terceira idade no país. E dá pistas para possíveis soluções. 

Há uma coisa estranha que acontece volta e meia no Luxemburgo. De repente, alguém surpreende-se que o país tenha imigrantes e que estes tenham necessidades específicas. Nem parece que a imigração no país começou há 130 anos, tal é por vezes a surpresa de políticos e autoridades. A não ser que seja indiferença, na melhor hipótese, ou um ostracismo latente que se ignora, na pior.

No domingo, um episódio caricato de uma natureza que tem a ver com o choque cultural mais básico ilustrou mais uma vez isso. Um grupo de refugiados, alojados na Luxexpo, recusou-se a comer o rosbife servido ao almoço, por pensarem tratar-se de carne estragada. Simplesmente desconheciam esta forma de cozinhar carne.

Só pode ser insensibilidade e ignorância por parte das autoridades. Não imagino que num jantar entre o Governo e o magnata indiano Lakshmi Mittal fosse servida carne de vaca, um animal sagrado na Índia. Será que o interesse depende do porta-moedas do estrangeiro?

É exatamente isso que diz Maxim Kantor, um artista e escritor russo dissidente que entrevistamos nesta edição, quando se refere ao Brexit e ao sentimento anti-estrangeiros dos britânicos.

O Luxemburgo precisou, e continua a precisar, de mão de obra estrangeira, e o que teima em chegar são... pessoas. Pessoas com tradições religiosas e culturais bem suas, uma alimentação diferente, costumes e festas à sua maneira, filhos que precisam de creches e escolas adaptadas, imigrantes que chegados à velhice precisam, também aí, de cuidados específicos. Como o Luxemburgo parece agora descobrir.

Há uns anos, uma antiga ministra da Família dizia-se preocupada porque não entendia a razão de não haver idosos portugueses nos lares da terceira idade luxemburgueses. As respostas eras múltiplas mas óbvias, como demonstra agora um estudo da Universidade do Luxemburgo.

Apesar de gozarem de bastante conforto (alguns até são luxuosos), os lares no país são caros para as pequenas reformas dos portugueses. Além disso, nos lares estes idosos ficam isolados, já que a maioria dos utentes são luxemburgueses, e tanto uns como outros, falando pouco ou mal o francês, preferem a sua língua materna. O estudo preconiza a criação de estruturas da terceira idade específicas para os imigrantes idosos, mais adaptadas aos estrangeiros.

É o mínimo que estes idosos merecem, depois de terem ajudado o Luxemburgo a crescer e a enriquecer como país e nação. O papel dos filhos nesta etapa da vida dos pais também é importante, mas o Estado luxemburguês não pode continuar a furtar-se às suas responsabilidades.

A primeira geração de imigrantes acaba assim com o mito do regresso à terra natal, mas não abdica do sonho de ter uma velhice tranquila, perto de filhos e netos.

José Luís Correia
in CONTACTO, 09/11/2016

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