sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
-
cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

EDITORIAL: Ideocracia e populismo

Donald Trump é um enigma. Sem experiência política e um currículo de empresário astuto mas sem escrúpulos, como agirá no cargo máximo da maior superpotência mundial?

“Ideocracy”, comédia distópica de 2006, conta a história de uma América idiotizada, que se estupidificou moral e intelectualmente, elegendo um imbecil para a Casa Branca. Será uma obra de antecipação?

Sem cair numa comparação fácil com Trump, a verdade é que Donald deixa a impressão de alguém que não sabe onde se foi meter. Parece que se candidatou à Casa Branca por causa de uma aposta. E que nem esperava ganhar, como o prova o discurso de vitória, que destoou logo dos comícios inflamados da campanha.

Num discurso calmo de 15 minutos, dois terços foram dedicados aos agradecimentos, e apenas cinco minutos para resumir sem convicção, carisma, vigor ou a sua pujança habitual duas ou três ideias básicas de campanha.

Nos dias seguintes à eleição, Donald parecia estar a “destrumpizar-se”. Disse que já não ia deportar 11 milhões de indocumentados, mas apenas “dois ou três milhões de criminosos ilegais”, o que soa a rídiculo quando se sabe que Obama expulsou 2,5 milhões de clandestinos entre 2009 e 2016. O muro que prometeu erigir na fronteira mexicana – 3.200 km de comprimento (!) – pode vir a ser apenas “uma vedação”. E até o Obamacare, que prometeu erradicar, afinal “tem coisas boas”. Também já se retraiu em promessas como as de não deixar entrar mais muçulmanos no país, encarcerar Hillary, “rasgar” o acordo nuclear iraniano, taxar em 45% os produtos chineses, reduzir o financiamento na NATO, etc.

Trump parecia estar finalmente a entender os contornos do realismo político e do exequível. Mas Trump e o bom-senso são antónimos. Percebendo que pode perder apoio popular, nomeou Stephen Bannon, um racista supremacista conspiracionista, como seu alto conselheiro. E há mais nomeações discutíveis: Michael Catanzaro, lobista do petróleo, pode vir a ser secretário da Energia, a Agricultura pode ir para Michael Torrey, lobista do sector dos refrigerantes e dos laticíneos, para regulador das telecomunicações Jeffrey Eisenach, consultor da operadora Verizon, e por aí fora. Ele, que prometeu limpar “o pantanal de Washington dos lóbis”, está a fazer... exactamente o contrário!.

Estouvado, inconstante, demagogo? Oportunista, com certeza. Que mais esperar de alguém que age segundo o vento sopra? Alguns generais no Pentágono prometem manter longe de Trump “o botão”, referindo-se ao arsenal nuclear dos EUA.

Na Europa, a vitória de Donald Trump deve interpelar-nos: porque preferiram os eleitores Donald a Hillary? Porque esta representava a elite? Se é assim tão fácil a um bilionário frívolo e de moral volúvel, de vocabulário limitado e vulgar, chegar à Casa Branca graças a slogans simplistas, temos de ter em atenção a tendência, que o Brexit já indicava. O populismo está a alastrar também no seio da UE: Grécia, Hungria, Polónia, França, Alemanha (Luxemburgo?). Onde o deixaremos chegar?

José Luís Correia
16/11/2016, in CONTACTO

Sem comentários: