sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Editorial sobre o caso Luxleaks: "Da Desobediência"

José Luís Correia
Os arguidos no processo “Luxleaks”, que começaram a ser julgados na semana passada no Luxemburgo, está a revelar-se um autêntico teatro. Aqui na Redacção já há apostas sobre os actores que vão intrepretar este ou aquele papel quando a história chegar ao cinema.

Senão vejamos, o caso tem tudo dos blockbusters de Hollywood: vilões que se fazem passar por vítimas, maus da fita celebrados como lendas vivas, indivíduos comuns que saem do anonimato para se tornar heróis, depois injustiçados, muitas peripécias pelo meio e um final... Bem, apesar da peça só ir ainda no terceiro acto (será “ata”?), espera-se um final feliz. Mesmo se nesta história cada um queira um desfecho diferente.

Em tribunal os momentos rocambolescos repetem-se: um dos ex-funcionários dos Impostos, peça-chave da defesa, pôs-se de baixa, o superior hierárquico que o substituiu não respondeu a nenhuma pergunta, um responsável da Polícia teceu considerações anti-capitalistas sobre os arguidos, o juiz não o interrompeu mas corta a palavra a outras testemunhas e não entende a pertinência de outros depoimentos, como se tentasse despachar o processo e este fosse um mero caso cível, entre outros episódios vaiados com apupos pelo público que assiste ao julgamento.

Será apenas má fé? Este não é um processo sobre dois empregados que roubaram documentos na loja do patrão. É sobre o Luxemburgo e a sua imagem no mundo, e sobre o que foi (é) um dos seus principais fundos de comércio. Ou não teria a cobertura mediática mundial que está a ter. Dois cidadãos decidiram desobedecer às directivas da empresa para a qual trabalhavam e, seguindo a sua consciência, revelaram à luz do dia práticas de “evasão fiscal” que roçam a ilegalidade, transvestidas de “optimização fiscal”, por considerarem que são imorais e injustas.

E qualquer pessoa que pague impostos devia pensar da mesma forma: porque razão o Fisco se mostra implacável com o contribuinte privado mas brando, por vezes cúmplice mesmo, com as empresas que facturam milhões? Porque se essas companhias não pagarem os seus impostos, acabaremos por pagá-los todos nós.

“São práticas legais? São! Pode fazer-se? Não!” (parafraseando um célebre sketch humorístico que punha em cena um professor bem nosso conhecido que chegou a Presidente).

“A fraca tributação das empresas não corresponde ao conceito de justiça fiscal e às normas éticas e morais geralmente aceites”, disse durante o processo um dos ex-funcionários da PricewaterhouseCoopers (PwC), citando Jean-Claude Juncker, que foi precisamente um dos que incentivou estas práticas no Luxemburgo enquanto era primeiro-ministro. “L’arroseur arrosé!”, diz a expressão francesa.

Outro momento digno do Vaudeville: a defesa pergunta ao responsável da Polícia porque avisou a PwC das buscas à empresa e é o juiz que responde, “A França não faz o mesmo?”

Eis o cerne da questão. O juiz, assumindo-se ou não (sei lá!) representante do Luxemburgo, não entende porque se está a sujar o bom nome do pacato Grão-Ducado quando tantos outros países também utilizam a evasão, heu... a optimização fiscal. Do Reino Unido aos EUA, passando por França e Portugal (Madeira).

E como é a imagem do Luxemburgo que está em jogo neste tabuleiro, o meu palpite para o desenlace deste processo é o seguinte: os arguidos serão condenados pelos “crimes” de que são acusados: roubo e violação do segredo profissional. Estes apresentarão recurso e a sentença será reconfirmada. Depois recorrerão ao Tribunal dos Direitos Humanos, que finalmente condenará o Luxemburgo. Foi assim que aconteceu com o CONTACTO.

Em 2009, um assistente social apresentou uma queixa-crime contra o jornal, por ter sido posto em causa num artigo sobre um menor que este tinha decidido retirar à família. Questionar a decisão de um assistente social deve ser crime de lesa-majestade neste reino porque logo um juiz mandou efectuar buscas policiais à nossa Redacção para apreensão de material e documentos. A queixa-crime foi retirada, sem que fóssemos informados, o material e os documentos devolvidos, sem um pedido de desculpas. O CONTACTO pediu que as buscas fossem consideradas ilegais, mas tanto o Tribunal de Primeira Instância como o Tribunal Superior do Luxemburgo rejeitaram a queixa apresentada pelo jornal por violação da protecção das fontes, prevista na legislação luxemburguesa. O nosso jornal levou o caso para Estrasburgo e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou em 2013 o Luxemburgo por violar a liberdade de expressão e o direito à vida privada, dando razão à queixa apresentada pelo CONTACTO.

Antoine Deltour e Raphaël Halet decidiram desobedecer às directivas de discrição e de sigilo profissional a que a PwC os obrgava. Falou mais alto a probidade interior. Fizeram-no pelo bem e interesse públicos, disseram. A desobediência é o direito e o dever que assiste ao cidadão para lutar contra situações em que a lei ou o poder são iníquos, injustos ou incorrectos.

José Luís Correia
in CONTACTO, 04/05/2016