sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 3 de junho de 2015

EDITORIAL in JORNAL CONTACTO: "Caros Luxemburgueses/Dear Luxemburgers"

Caros Luxemburgueses, o debate em torno do direito de voto dos estrangeiros nas legislativas, a referendar no domingo, tem incendiado a opinião pública nos últimos meses, como há muito não acontecia.

Monopolizou as atenções e quase fez esquecer que o referendo incluirá mais duas questões, uma sobre o limite dos mandatos no governo e a outra sobre o direito de voto a partir dos 16 anos.

A política desceu à rua. Ainda bem, devo dizer, as pessoas interessam-se habitualmente tão pouco pela política. Pena é que seja por uma questão que é vista como um direito óbvio para uns, mas que é vivida por outros como um ultraje máximo, o que justifica a luta aguerrida para defender o que consideram ser o último baluarte da soberania nacional: as eleições para a Câmara dos Deputados.

A legalização do aborto, da eutanásia ou do casamento homossexual geraram menos polémica. A última vez que vi os ânimos se exaltarem tanto foi durante a votação da dupla nacionalidade no Parlamento, em Outubro de 2008. Parecia que se estava a debater o fim da monarquia luxemburguesa.

Hoje, sete anos depois, acontece o mesmo, só que as vozes subiram de tom, as discussões criaram divisoes dentro de grupos com a mesma sensibilidade política, entre vizinhos e amigos, e têm até minado alguns almoços de família. O debate estendeu-se também às redes sociais, onde os cobardes se escondem atrás de falsos perfis para insultar impunemente quem não pensa da mesma forma.

O Luxemburger Wort (LW), que edita também o CONTACTO, tomou uma decisão corajosa no dia 22 de Maio, e fê-la saber publicamente: apesar de as sondagens indicarem que a maioria dos luxemburgueses (que são os seus leitores e assinantes de sempre) votaria contra o direito de voto dos estrangeiros, o jornal assumiu a defesa da participação dos não-luxemburgueses nas legislativas. Vindo do maior diário do país, tão antigo como a própria nação e que é visto como uma instituição pelos luxemburgueses, é uma mensagem muito forte.

Posso revelar-vos que aqui nas redacções do grupo – LW, CONTACTO, Télécran, Wortex e wort.lu – organizámos um “referendo interno” para saber quem era favor do voto dos estrangeiros. Ganhou o “sim“, o que confirmou a posição assumida pela chefia de redacção do grupo. Foi interessante saber como pensam as pessoas que trabalham connosco.

Na Redacção do CONTACTO somos todos a favor do direito de voto dos estrangeiros. É nas outras duas questões que as opiniões se dividem. Para mim, os argumentos para o “sim” à participação política são simples:

- Vivo, trabalho e pago impostos no Luxemburgo, é aqui que devo ter o direito de eleger o Parlamento que vota as leis que interferem directamente na minha vida. Contribuo laboral, financeira, económica e culturalmente para este país, não interessa a minha nacionalidade, não devo ter só deveres, mas também direitos, e participar na política nacional deve ser um deles. – Se um cidadão americano ou australiano, que nunca pôs os pés no Grão-Ducado, com um antepassado luxemburguês nascido depois de 1901, pode pedir a nacionalidade luxemburguesa e ter o direito de votar, de sobremaneira um estrangeiro que resida no Luxemburgo há anos e que já muito fez em prol do país deve usufruir do mesmo direito.

- Ao contrário do que muitos defendores do “não” alegam, o que está em causa não é o direito de ser eleito, mas o de eleger. Ouvi muitos defensores do “não” dizer que temem que os portugueses se organizem para eleger um partido português para o Governo. Que absurdo! As eleições comunais mostraram que os portugueses (em geral) votam da mesma forma que os luxemburgueses, em maioria no CSV. Quanto a ministros “estrangeiros” já os há no actual Governo e já os havia até no anterior, ou por acaso Gira, Gramegna, Braz e Di Bartolomeo são nomes “de gema” luxemburgueses? E então, qual o problema? Tudo isto é perfeitamente normal num país fortemente marcado há século e meio pela imigração.

- Aos que preconizam que para se poder votar é preciso ser luxemburguês e/ou dominar o luxemburguês, que é a língua da política, eu respondo: muitos já se naturalizaram e continuam a não dominar a língua. Depois, a língua da política é também, muitas vezes, o francês. A Constituição do Luxemburgo está em francês (boa sorte aos constitucionalistas que pretendam redigir a Constituição em luxemburguês) e na Câmara dos Deputados a maioria das questões parlamentares é redigida em francês.  

- Atribuir o direito de voto a um estrangeiro que resida há vários anos no país é um passo para uma maior integração, porque é um sinal de aceitação e de mútuo reconhecimento. Para mim esta palavra – reconhecimento – é determinante para a coabitação, a coesão e a paz sociais, porque surge em oposição a “ressentimento”, que provoca o recuo identitário e fissuras na sociedade, com as consequências que todos conhecemos.

- Dar o direito de voto aos estrangeiros não mudará na sua essência, nem o Luxemburgo, nem a política do país, mas restabelecerá um pouco de equidade social e equilibrará o défice democrático de que o Grão-Ducado padece.

- Não é por se dar a possibilidade aos não-luxemburgueses de votar que o país mudará na sua cultura ou identitadade: o Luxemburgo já está em mutação há décadas, “graças”, e não “por causa” da imigração. E isto não deve ser visto como um problema, antes como uma mais-valia. A diversidade enriquece, saibamos aproveitar a oportunidade que a História nos dá. Hoje, o Luxemburgo somos todos nós, e isso também se deve reflectir no sufrágio para o Parlamento.

José Luís Correia
in CONTACTO, 03/'06/2015

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