As férias correm lestas para o fim e eu sinto-me só. Passo os serões a repetir a estrada que vai para a praia de Faro, talvez porque só a maresia e o cheiro a pinheiros mansos me acalme, talvez só o estar à beira-mar me sossegue, ou porque apenas o reencontro com este céu estrelado e familiar me faça sentir em casa.
Olho à minha volta, só casais abraçados, de mão dada, famílias com sorrisos felizes. E eu aqui, mais uma vez irremediavelmente só. Vou a um bar, ao chegar arrependo-me, vejo aquela gente feliz, em casal e com e amigos, rindo, bebendo, divertindo-se, aproveitando as férias ou simplesmente a bela noite. E como está bela e amena a noite. Arrepio caminho. Que vou fazer a um lugar onde se celebra com os outros eu que não tenho ninguém?
Os meus dias são todos inúteis, quem inventou os dias úteis? Escrever cansa-me, ler desmoraliza-me, descansar aborrece-me, ir à praia é chato. Pego no carro alugado e ando às voltas, queimo estrada.
Debaixo do alpendre da casa, as manhãs de Junho são amenas e frescas. Sopra do mar uma brisa que refresca as primeiras horas do dia e torna suportável o sol áscio. Disponho à minha volta livros e escrevo, como se o talento se transmitisse por osmose. Sento-me na mesa de mogno, rabisco ideias (todas batidas), frases (todas déjà vu), pensamentos (todos inanes). Pego noutro livro, folheio-o, deito-me no sofá esquecido ali, os crisântemos balouçam ao sol, a figueira ancestral esfolha-se na brisa, refolha-se e mira-me, até as palmeiras da vivenda vizinha me parecem já familiares e não fruto do adubo industrial da Primavera passada.
Passo de Pessoa a Rentes de Carvalho, depois viajo com Theroux e João Ricardo Pedro, folheio as antologias poéticas, Píndaro, Safo, Orfeu, Xenófanes, Sofócles, Aristófanes, Esopo, Virgílio, canso-me dos clássicos e regresso a António Barahona, Gastão Cruz, Diogo Vaz Pinto, A.M. Pires Cabral e todas as novas vozes de que não faço parte...
Por exemplo Diogo Vaz Pinto. Muito bom. Cada vez que descubro um novo talento, uma nova pena, questiono-me sobre a minha escrita, que sentido tudo isto toma, as minhas dezenas de cadernos amontoados, espólio ignorado.
Estive hoje com o professor José Louro e foi bom revê-lo. Numa casa nova, a duas daquela que partilhou com Zeca Afonso, confia-me, quando este foi professor em Faro. Falou-me de teatro, da sua vida, como veio de Coimbra, de que nunca gostou, para Faro, os grupos de teatro que ajudou a fundar, desde o da Universidade de Lisboa, que viria a dar origem ao Teatro da Cornucópia do Luís Miguel Cintra, ao grupo Sincera da Universidade do Algarve, "fundado num vão de escada".
"Esta era a casa do Doutor Cabeçadas", conta-me, e em novo ele passava por aqui com o Zeca e dizia, "Um dia quero morar numa casa como estas". Já reformado, uma sua amiga que mora em Lisboa, pediu-lhe para ocupar uma casa em Faro que ela não queria arrendar a estranhos. Era esta casa, a casa dos seus sonhos quando era jovem professor...
No seu escritório pequeno, por onde entra pelas frestas de uma janela semi-aberta o sol forte e luminoso da tarde que começa, está rodeado por livros de teatro e de poesia. "O resto dos livros estão na minha outra casa em Almancil. E quando um autor morre, traslado-o daqui para lá", ri-se. Está velho, mas rijo, forte, robusto, lúcido, muito lúcido, sempre uma galhofa inteligente na ponta da língua. Vêm-no visitar muitos antigos alunos, para o rever ou para pedir-lhe ajuda para projectos em que serve de mentor, foi-o de tantos, inspirou tantos, aos quais com paixão ensinou e transmitiu o seu amor pelo teatro e pela literatura. Fomos tantos.
Reconheceu-me logo pela voz, assim que falei pelo intercomunicador. Recebeu-me em roupão, "acabo de acordar", eram duas da tarde. Há quase 20 anos que não nos víamos, não falávamos, mas a conversa retomou como se fóssemos velhos amigos. O Luís Vicente já lhe tinha dito que me tinha encontrado no Luxemburgo e logo exortou-me a comparecer à sua presença, antes que fosse desta para melhor.
Falámos ainda de livros, de escrita, de escritores, do Nuno Júdice. Confirmou-me que "é um gajo calado". Já "o Casimiro de Brito fala pelos cotovelos". Ah, e rimos muito. Foi bom este reencontro.
terça-feira, 26 de junho de 2012
26 de Junho - Solidão, leitura, escrita e o prof. José Louro
Rótulo :
caderno de itinerários,
diário incidental
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário