"Memóras Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis (1881)
O livro começa com o narrador, Brás Cubas, a falar do seu funeral. Dali faz o leitor viajar para trás no tempo até à sua morte, ao delírio dos seus últimos momentos, o instante em que adoeceu e por aí fora...
Quando o leitor acha que percebeu como a história se vai construir, o narrador faz uma finta ao leitor e começa a contar a história da sua vida desde o princípio.
Nascido em 1805, a vida de Brás atravessa as primeiras seis décadas do séx. XIX, desde a infância de menino rico, passando pela adolescência quando se dá a independência do Brasil. É nessa idade que se apaixona pela primeira vez por Marcela, uma "rapariga" que não tratava a moral por tu. O "Amor" durou "quinze meses e onze contos de réis", a expensas da família. Para o fazer esquecer Marcela, o pai manda-o para Lisboa. Em seis dias e ainda antes de desembarcar na capital portuguesa, os desgostos de amor estavam ultrapassados. Em Coimbra aprende a arte da boémia, da serenata e do "romantismo prático". Licencia-se em Direito mesmo não entendendo nada do assunto, por isso acha-se um génio.
Regressa ao Rio de Janeiro e namora com uma linda moça, mas que era "coxa", deficiência que o seu coração não consegue esquecer e por isso não se apaixona... O pai tem outros planos, quer casá-lo com Virgília, filha de um político, matrimónio que vai catapultá-lo para o Parlamento e assegurar-lhe o futuro.
Primeiro reticente, Brás começa a interessar-se por Virgília, mas esta prefere casar-se com Lobo Neves, que fará dela baronesa ou mesmo marquesa. Mais tarde e já casada, Virgília acabará por ceder aos avanços de Brás, tornar-se-á sua amante durante largos anos será o verdadeiro e grande amor da sua vida, confia no seu leito de morte.
Um dos encontros mais cómicos e irónicos é quando se cruza com Quincas Borba, um filósofo meio doido, que até inventa uma nova corrente filosófica.
Pela sua vida ainda passa a bonita Nhã-Loló, de 19 anos, mas que morre de febre amarela e Brás torna-se então um irredutível solteirão.
No fim da vida, tendo falhado no amor, na politica, em sociedade e em quase tudo, tenta uma última tentativa de imortalidade ao envidar todos os esforços para criar o "emplastro Brás Cubas", meio compressa meio cataplasmo que visa curar todas as doenças. E é em plena "criação" deste remédio que a pneumonia o "apanha" e a morte lhe bate à porta aos 64 anos.
E assim passa uma vida... com tantas oportunidades desperdiçadas, mas uma vida mesmo assim bem vivida, "à sua maneira".
Contada na primeira pessoa, a delícia da história é o seu tom cáustico, irónico do narrador ao falar das suas próprias aventuras e desventuras. Do autor fica-nos o maravilhamento pela inovação no estilo, estilo acima de tudo livre, muitas vezes mesmo audaz, e muito moderna quebra na narração linear. Machado de Assis confessa ter-se deixado influenciar por autores como Shakespeare ou Xavier de Maistre.
Contando a história da vida de Brás Cubas, Machado de Assis aproveita para descrever a sociedade brasileira, as diferentes classes sociais, a escravatura, o século XIX brasileiro, pelo que esta tragi-comédia é considerada por muitos críticos como sendo a primeira obra "realista" da literatura do pais. No entanto, certos excertos, discursos do narrador e diálogos fazem pensar no Modernismo, que chegaria apenas após o virar do século, pelo que esta pode ser considerada uma obra visionária.
O paralelo com "Os Maias" de Eça de Queirós, obra sua contemporânea (escrita oito anos depois) é óbvia para o leitor português, mesmo se a obra brasileira é mais rica em humor. Mas também há por lá um Vilaça e até um "Dâmaso". Mas a delícia na leitura foi a mesma, mesmo se li as duas obras a 22 anos de distância uma da outra.
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