sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 7 de março de 2012

O eixo da Terra está a mudar

O eixo da Terra está a mudar

Li algures na imprensa portuguesa que, muito embora os portugueses não apreciem o epiteto de "país periférico" que Bruxelas dá a Portugal, o facto é que é isso mesmo que o nosso rectângulo é, "que fazer", resignava-se o jornalista? E acrescentava que isso explica a condição de "subúrbio" a que o nosso rectângulo está votado. Ou seja, a culpa da crise que nos caiu em cima não é nossa, é do lugar que herdámos da geografia (!?).

Como se o centro de decisões e de negócios nunca pudesse ter sido Lisboa e - inverta-se os papéis -, a Alemanha o "hinterland" europeu ou o "arrière-pays" continental. Estas duas palavras não têm infelizmente uma boa tradução em português, pois o seu equivalente  "o interior" ("país real" é uma invenção da TV-reality show dos anos 90!), não comporta o significado de "afastado", "esquecido, lá para trás", que os termos alemão e francês abrangem. Felizmente, a História não dá razão aos epitetos que nos cognominam e a geografia não é uma fatalidade. Lisboa já foi dona de metade do Mundo e o seu "handicap" de hoje - a periferia -, foi na Era dos Descobrimentos a sua mais-valia. E exemplos como este abundam através dos tempos. Babilónia ou a Pérsia foram já as regiões mais civilizadas do mundo, depois em declínio e esquecidas durante milénios, foram novamente trazidas para o tabuleiro mundial graças ao petróleo. Como é que Alexandre Magno conseguiu fazer da sua encravada Macedónia o centro de um império que se estendeu através de um quarto do globo até às portas da Índia? Como é que uma cidade como Roma construiu um império que ia da África do Norte ao Médio Oriente e da Alemanha à Escócia? Também a América Central e do Sul viram proliferar as civilizações mais avançadas do seu tempo quando a Europa atravessava "os séculos escuros".

Lisboa já foi o rosto com que a Europa fitou o mundo, recorda-nos o nosso oráculo nacional Fernando Pessoa, na sua "Mensagem". Será que percebemos bem a mensagem? E se o "recado" de Pessoa fosse "Mens Ag(itat Mol)em", ou seja, que o espírito comanda o corpo, expressão repescada à "Eneida" de Virgílio. Mas se a mente comanda a matéria, Deus quer, o Homem sonha e a obra nasce, então a inteligência não se deixa ditar desditas pela geografia. Até porque a geografia "acabou" e o homem hoje sabe ser ubíquo.

É armado desta sabedoria, sem ligar a fatalismos bacocos e desculpando-se com a "soi-disant" geografia, que o Dubai, por exemplo, sabendo próximo o fim do reino do ouro negro, está a fazer nascer hoje a megalópole de amanhã, das areias inóspitas do deserto e bairros inteiros em cima de ilhas artificiais. Do mesmo modo, o Luxemburgo, este improvável país que se quis independente sem que ninguém no século XIX acreditasse na sua perenidade, nem mesmo os luxemburgueses, soube antecipar o fim da siderurgia e lançar desde os anos 60 os pilares de outras economias (os serviços, a praça financeira, as telecomunicações, a logística) que asseguraram o futuro. E o Ducado agrícola das hortas de subsistência de há dois séculos soube atravessar as convulsões hegemónicas e geo-económicas do século XX, e tornar-se um país política e economicamente estável, um burgo centripeta, que atrai populações e empresas dos quatro cantos da Europa e do Mundo.

Saber governar é saber prever. Qualidade que têm tido alguns (friso alguns) governantes luxemburgueses (até agora !) e que tem faltado singularmente à maioria dos políticos portugueses.

Onde está o futuro de Portugal ? Quanto a mim, acredito que a língua é nossa melhor embaixadora, que os caminhos que abrimos pelos mares e nos levaram ao achamento do Brasil, a África e até Timor, são a rota instintiva a seguir para nos projectarmos no futuro e num planeta cujo eixo está a mudar. O eixo da Terra está a mudar, mas não é o fim do Mundo.

Há muito que se previa que o centro económico do planeta iria mudar-se do Atlântico para o Pacífico. Mas era uma leitura enviesada. A China é hoje a potência mundial óbvia, mas a América do Sul (e não apenas o Brasil), a Índia e África prefilam-se. O eixo não está a girar do Atlântico para o Pacífico, antes está a mudar de hemisfério, do Norte para o Sul.
  
Quando entendermos isso, saberemos como sair da actual crise e criar uma nova era de prosperidade. Não só Portugal, mas a Europa. Portugal tem que, hoje mais do que nunca, fortalecer os laços que teceu graças às suas Descobertas. Talvez assim Portugal se cumpra, como sonhou Pessoa. Quanto à Europa, não se pode fechar em fortaleza, tem que abrir-se ao Mundo, ou está destinada a que esses povos um dia lhe virem as costas. E se num futuro não tão longíquo a Europa demograficamente exangue precisar dos africanos? Ou se os europeus quiserem emigrar para a África vizinha, esse gigantesco território riquíssimo, que há-de tornar no continente emergente, e os africanos não quiserem lá os "refugiados" do velho continente ? A Europa não pode declinar em subúrbio flatulento da nova geografia mundial. Porque a geografia não é uma fatalidade, mas uma oportunidade.

O eixo da Terra está inelutavelmente a mudar mas, e nós, saberemos acompanhar o movimento da tectónica económica ?

José Luís Correia
(in CONTACTO, 07.03.2012)

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