O eixo da
Terra está a mudar
Li
algures na
imprensa portuguesa que, muito embora os portugueses não apreciem o
epiteto de "país
periférico" que Bruxelas dá a Portugal, o facto é que é isso mesmo que o
nosso rectângulo é, "que fazer", resignava-se o jornalista? E
acrescentava
que isso explica a condição de "subúrbio" a que o nosso rectângulo está
votado. Ou seja, a culpa da crise que nos caiu em cima não é
nossa, é do lugar que herdámos da geografia (!?).
Como se o
centro de decisões e de negócios nunca pudesse ter sido Lisboa e - inverta-se os papéis -, a Alemanha o "hinterland"
europeu ou o "arrière-pays" continental. Estas duas palavras não têm
infelizmente uma boa tradução em português, pois o seu equivalente "o interior" ("país
real" é uma invenção da TV-reality show dos anos 90!), não
comporta o significado de "afastado", "esquecido, lá para trás", que os termos alemão e francês abrangem. Felizmente, a
História não dá razão aos epitetos que nos cognominam e a geografia não é uma
fatalidade. Lisboa já
foi dona de metade do Mundo e o seu "handicap" de hoje - a
periferia -, foi na Era dos Descobrimentos a sua mais-valia. E exemplos como
este abundam através dos tempos. Babilónia ou a Pérsia foram já as regiões
mais civilizadas do mundo, depois em declínio e esquecidas durante milénios, foram
novamente trazidas para o tabuleiro mundial graças ao petróleo. Como é que
Alexandre Magno conseguiu fazer da sua encravada Macedónia o centro de um império
que se estendeu através de um quarto do globo até às portas da Índia?
Como é que uma cidade como Roma construiu um império que ia da África do
Norte ao Médio Oriente e da Alemanha à Escócia? Também a América Central e do Sul
viram proliferar as civilizações mais avançadas do seu tempo quando a Europa
atravessava "os séculos escuros".
Lisboa já
foi o rosto com que a Europa fitou o mundo, recorda-nos o nosso oráculo
nacional Fernando Pessoa, na sua "Mensagem". Será que percebemos
bem a mensagem? E se o
"recado" de Pessoa fosse "Mens Ag(itat Mol)em", ou seja,
que o espírito comanda o corpo, expressão repescada à "Eneida"
de Virgílio. Mas se a mente
comanda a matéria, Deus quer, o Homem sonha e a obra nasce, então a
inteligência não se deixa ditar desditas pela geografia. Até porque a geografia
"acabou" e o homem hoje sabe ser ubíquo.
É
armado desta
sabedoria, sem ligar a fatalismos bacocos e desculpando-se com a
"soi-disant" geografia, que o Dubai, por exemplo, sabendo próximo o fim
do reino do ouro
negro, está a fazer nascer hoje a megalópole de amanhã, das areias
inóspitas do
deserto e bairros inteiros em cima de ilhas artificiais. Do mesmo
modo, o Luxemburgo, este improvável país que se quis independente sem
que
ninguém no século XIX acreditasse na sua perenidade, nem mesmo os
luxemburgueses, soube antecipar o fim da siderurgia e lançar desde os
anos 60
os pilares de outras economias (os serviços, a praça financeira, as
telecomunicações,
a logística) que asseguraram o futuro. E o Ducado agrícola das hortas de
subsistência de há dois séculos soube atravessar as convulsões
hegemónicas e geo-económicas do século XX,
e tornar-se um país política e economicamente estável, um burgo
centripeta, que
atrai populações e empresas dos quatro cantos da Europa e do Mundo.
Saber
governar é saber prever. Qualidade que têm tido alguns (friso alguns) governantes luxemburgueses (até agora !) e
que tem faltado singularmente à maioria dos políticos portugueses.
Onde está o
futuro de Portugal ? Quanto a mim, acredito que a língua é nossa melhor
embaixadora, que os caminhos que abrimos pelos mares e nos levaram ao achamento
do Brasil, a África e até Timor, são a rota instintiva a seguir para nos
projectarmos no futuro e num planeta cujo eixo está a mudar. O eixo da Terra está a mudar, mas não é o fim do Mundo.
Há muito que se previa que o centro económico do
planeta iria mudar-se do Atlântico para o Pacífico. Mas era uma leitura
enviesada. A China é hoje a potência mundial óbvia, mas a América do Sul (e não
apenas o Brasil), a Índia e África prefilam-se. O eixo não está a girar do
Atlântico para o Pacífico, antes está a mudar de hemisfério, do Norte para o
Sul.
Quando entendermos isso, saberemos como sair da actual
crise e criar uma nova era de prosperidade. Não só Portugal, mas a Europa. Portugal tem que, hoje mais do que
nunca, fortalecer os laços que teceu graças às suas Descobertas. Talvez assim Portugal
se cumpra, como sonhou Pessoa. Quanto à Europa, não se pode fechar em
fortaleza, tem que abrir-se ao Mundo, ou está destinada a que esses povos um
dia lhe virem as costas. E se num futuro não tão longíquo a Europa
demograficamente exangue precisar dos africanos? Ou se os europeus quiserem
emigrar para a África vizinha, esse gigantesco território riquíssimo, que há-de
tornar no continente emergente, e os africanos não quiserem lá os "refugiados"
do velho continente ? A Europa não pode declinar em
subúrbio flatulento da nova geografia mundial. Porque a geografia não é uma fatalidade, mas uma oportunidade.
O eixo da Terra está inelutavelmente
a mudar mas, e nós, saberemos acompanhar o movimento da tectónica económica ?
(in CONTACTO, 07.03.2012)
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