Quo Vadis Europa?
Sopram ventos perigosos sobre a Europa. Parafraseando Nixon: "Isto vai piorar, antes de melhorar". Não é muito inteligente, mas ele acertou. Falava em 1969 e referia-se à guerra do Vietname, e efectivamente esta só viria a terminar seis anos depois, no que foi o maior desaire militar da história dos EUA.
Esperemos que o sonho europeu – esta União Europeia, que germinou na vontade e no espírito de grandes homens como Robert Schuman, Jean Monet, Paul Henri Spaak, que anos mais tarde outros da mesma estirpe, a exemplo de Jean-Claude Juncker, aceitaram como testemunho e ousaram levar ainda mais longe, essa União que actualmente reúne numa só comunidade mais de 500 milhões de europeus, facto por si já histórico e exemplar, porque conseguido por mútuo acordo entre 27 estados independentes –, não se transforme no maior desaire do velho continente.
A coisa vai por maus caminhos se deixarmos cegamente o casal Merkel-Sarkozy, que muitos já apelidam de "Merkozy", conduzir a Europa como pretendem. Os dois sonham-se nos novos Mitterand e Kohl, os pilares do novo eixo Paris-Berlim, e querem ditar à UE o caminho a seguir. Argumentando ser esta a resposta para fazer face à crise da dívida, em que estão mergulhados muitos países europeus e que ameaça outros, esse monstro "Merkozy" anunciou na segunda-feira que quer ver aprovado até Março um novo tratado europeu que risque do mapa o Tratado de Lisboa e inclua sanções automáticas para os países cujo défice ultrapasse 3 % do PIB. Um tratado a assinar a 27, com todos os estados-membros da União. Ou mesmo a 17, com os países da zona euro. O que é preciso é arranjar à pressa um tratado que reuna "os bons alunos" de um lado e "arrume" os maus do outro. Na sexta-feira, Merkozy apresenta o projecto aos 27 estados-membros, em Bruxelas. O Tratado Merkozy prevê também uma nova governância para a zona euro, no que é uma forma não-dissimulada de eliminar do tabuleiro político europeu um dos únicos governantes a ousar fazer-lhe frente: Jean-Claude Juncker, actual presidente do Eurogrupo.
Muito cedo nesta crise do euro, em Dezembro de 2010, Juncker preconizou outra solução: a criação de títulos de dívida soberana europeus, os chamados "eurobonds". A ideia foi recusada em uníssono por Berlim e Paris, mas elogiada pelo Prémio Nobel da Economia, Paul Krugman. E há cada vez mais adeptos da ideia de Juncker. Uma das últimas é a deputada Ana Drago (Bloco de Esquerda).
Mas outras sombras pairam.
Também na segunda-feira, a agência de notação financeira Standard and Poor’s ameaçou poder vir a baixar o rating da Alemanha, França, Holanda, Áustria, Finlândia e Luxemburgo, seis dos países considerados exemplares da zona euro.
Até quando as instâncias internacionais vão deixar as agências de rating ditar os altos e baixos da economia? Até porque essas agências estão elas próprias submetidas a interesses económicos (dos accionistas e não só) que querem ver a balança pesar de um lado ou do outro.
E depois há jogadas mais sub-reptícias ainda neste tabuleiro. Atente-se no novo presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, no novo primeiro-ministro italiano Mario Monti, e no novo primeiro-ministro grego, Lucas Papademos. Draghi foi vice-presidente do banco americano Goldman Sachs Europa, Monti foi conselheiro da mesma empresa e tinha como missão defender os interesses do grupo no seio da UE, e Papademos foi governador do Banco Central grego, e ajudou a Goldman Sachs a "maquilhar" as contas da Grécia. Agora aparece como "salvador" dos helénicos? São peões estrategicamente posicionados, mas com que propósito? Até porque nenhum deles foi eleito, recorde-se, mas nomeados pelos respectivos governos ou instâncias europeias.
O que é a Goldman Sachs? Apenas um dos bancos mais poderosos do mundo e que, num momento em que podia tê-lo feito (como o Governo americano chegou a pedir), não ajudou a Lehman Brothers a safar-se da falência, o que arrastou a economia mundial para a crise financeira de 2008 e levou à consequente crise do euro. É caso para perguntar: Quem beneficia com a crise?
Se não atentarmos agora, se não opinarmos, se não nos interessarmos, se não barafustarmos, se não nos opusermos, se não utilizarmos o privilégio que nos oferece esta tribuna que é a imprensa, mas também os movimentos civis que se têm alastrado, para nos indignarmos, para clamarmos o que acreditamos ser a Europa e o que queremos que esta se torne – dentro de algumas semanas será tarde demais e daqui a alguns anos olharemos para o início desta década como o princípio do fim. Mas já será tarde demais e a Europa um sonho que se esfumou nos ditames da alta finança internacional.
José Luís Correia
(in CONTACTO, 07/11/2011)
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