Tempo de férias significa tempo de descontração e lazer para uns, de reflexão e introspecção para outros. Embora uma coisa não impeça a outra.
A pausa estival não nos devia distrair da aparente estabilidade da economia mundial. "Águas paradas, cautela com elas", diz o velho adágio. Mas esta pequena bonança depois da tempestade económico-financeira de 2008 é mais frágil do que muitos spin-doctors economicistas querem deixar transparecer. Alguns falam até em lenta retoma, como se os seus prognósticos fossem verdades absolutas e pudessem por si só dopar a confiança dos consumidores e das empresas.
Pura ilusão. Estamos no olho do ciclone. Trata-se de uma acalmia de pouca dura. Mesmo nos EUA, onde Obama protagonizou a reforma fiscal mais profunda desde 1930, e apesar de as bolsas terem voltado a atingir valores em alta, o desemprego continua nos dois digitos e a propalada retoma não está a criar emprego.
A crise financeira de 2008 foi apenas um aviso. E se nada for profundamente alterado no actual sistema financeiro, outra crise pior se alevantará. Como se esta tivesse sido apenas o abalo de um terramoto mais forte que se pode prever facilmente.
Jacques Attali, no seu livro "Tous ruinés dans dix ans" (Maio, 2010), defende que uma das urgências financeiras a aplicar a nível internacional é o saneamento das dívidas públicas dos estados. Estas nunca foram tão altas, excepto... em tempo de guerra! Muitos paises ainda correm riscos de falir, como aconteceu com a Islândia ou a Grécia, ou pior, a deixar essa dívida como herança aos nossos filhos e netos. Se nada for feito desde já, Attali teme que tenhamos pela frente 10 ou 15 anos de políticas de austeridade. Para o ex-conselheiro de François Mitterand, os mercados têm de entender que a economia deve crescer a par com o valor dos activos e não com o da produção porque, explica, "a verdadeira riqueza não é um fluxo, mas um património, seja este financeiro ou cultural."
Nunca gostei de velhos do Restelo ou de aves de mau augúrio, mas tão pouco sou apologista que o meu dinheiro sirva para jogatinas de casino por parte dos bancos. E se esses banqueiros golden boys – foliões loucos que brincaram imoralmente (ilegalmente alguns) com o dinheiro alheio como se fossem confettis no Carnaval –, querem restaurar a confiança nos consumidores vão ter que fazer muito mais do que andar a propagandear por aí alegremente e saltitantes: "É a retoma, é a retoma!"
O filósofo Edgar Morin escreve no seu recente livro "Culture et barbarie européennes" (2009) que "o capitalismo não deve ser deplorado", mas deve ser "muito mais autoregulado".
Isso mesmo está actualmente a tentar fazer a UE com os testes de stress a que submeteu 91 dos seus bancos. Uma proposta recente de Bruxelas para evitar outra crise financeira é a criação de um fundo monetário europeu que garanta a estabilidade financeira das suas instituições bancárias. Outra regra que a Comissão Europeia quer impor é a de dar o aval prévio aos orçamentos de estados antes de estes serem aprovados nos parlamentos nacionais. É o primeiro passo para um federalismo orçamental, que já provocou erupções cutâneas nacionalistas a muito boa gente, mas que pode ser uma das condições para proteger e reforçar o euro.
No Luxemburgo, a onda de choque da crise chegou mais tarde e as consequências continuam a sentir-se hoje: alguns bancos despedem indiscriminadamente e muitas empresas continuam a falir. O desemprego ronda os 6 %. A crise continua a ser a desculpa para que muitos patrões tentem lutar pela diminuição ou abolição de direitos sociais conquistados duramente no princípio do século passado.
Em Portugal, a situação ainda está pior, há 600 mil desempregados e 30 % da população activa encontra-se em risco de pobreza. Quem passeia pelas ruas do centro das grandes cidades nunca viu tanta gente a pedir como agora.
As empresas pedem esforços aos trabalhadores, mas muitas ainda não aboliram o sistema de pára-quedas dourado para os gestores. Os governos obrigam os cidadãos a apertar o cinto, mas o exemplo deveria vir de cima. Alguns governos, como o português, o britânico e o italiano, cortaram uma ínfima percentagem dos salários dos ministros, mas nem todos os paises seguiram o exemplo. No Luxemburgo, não se toca nesse assunto. No index pode-se mexer.
Mas o exemplo também pode vir de baixo, da sociedade civil para o Estado. Como? Basta que muitos de nós aprendam a conjugar a palavra solidariedade, responsabilidade à qual faz apelo a reforma da saúde e da segurança social que o Luxemburgo prepara. E que outros aprendam, por exemplo, a não gastar mais do que ganham, o que os obriga a viver no fio da navalha, a colocar a família à beira da precariedade devido a empréstimos intempestivos que contrairam para... ir de férias.
É urgente agir. Porque o pior pode estar para vir. De que tipo de cenários falamos? A falência do euro e do dólar, a hiperinflação, uma grande depressão que pode durar vários anos ou a criação de um tribunal internacional para condenar estados que faliram, proposta muito séria da economista norte-americana Anne Krueger.
Quando os historiadores do fim deste século estudarem a nossa época hão-de ofuscar-se sobre como terá sido possível não termos detectado os sinais anunciadores desta crise ou desta sucessão de crises que se abatem sobre nós. Quem lhes responderá melhor, a três séculos de distância, será Jonathan Swift: "Como é possível esperar que a humanidade ouça conselhos, se nem sequer ouve as advertências" ("Thoughts on Various Subjects", 1727).
José Luís Correia
(in jornal CONTACTO, 28.07.2010)
quarta-feira, 28 de julho de 2010
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1 comentário:
analise muito acertada e que também partilho
temo que as liçoes eadvertências de nada sirvam para uma civilizaçao que corre velozmente para o seu abalo... e o final so se ouvira: "salve-se quem puder"
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