A minha diarística
- encetada nos meus idos adolescentes de 1989 e que durante mais de quinze anos foi uma catarse regular obrigatória e saudável de como quem passa a esfregona pela alma para a deixar a cheirar menos a mofo -
sofreu em 2005 uma esquizofrenia bizarra. Desde que o primeiro volume destes cadernos começou a ser redigido em linha.
A verdade é que assim que estes meus cadernos passaram a expôr-se publicamente, logo tive que trocar os nomes aos bois e as voltas ao enredo. Por pudor. Por instinto de auto-preservação da minha intimidade. Quase naturalmente, passei de Zé a Weytjens, e de Alex a Gaspar e por aí fora.
E de trocas travessas em baldrocas avessas a realidade do meu dia-a-dia ficava escarrapachada na teia global, sujeita aos mirones, mas, vá lá, ia codificada. E assim me habituei a escrever torto por linhas direitas.
Da disciplina auto-imposta de escrever todos os dias resultou um primeiro romance "pulp", ainda à procura de editor. Consegui ao menos esse desafio que me lançara. (Também já plantei uma árvore. Só me falta ter um filho.)
Mas os sete volumes do meu verdadeiro diário tinham ficado órfãos e esquecidos na gaveta. Pública, impúdica por exaberação, a minha diarística tinha-se tornado adulterada, travestida de ficção, e já não era o caderno confidente, receptáculo imparcial e isento de minhas ansiedades e mágoas, esperanças e projectos, paixonetas, amores e infortúnios.
E neste segundo volume, é o que se tem visto. Poemazinhos ranhosos, fotografias-instantâneos pouco expontâneos da minha vida, pensamentos ociosos & reflexões de pacotilha... Como um estaleiro-in-progress perpétuo, uma sebenta cibernética prolixa, uma dialética masturbatória, mas, demasiado frequentemente, inane.
E a higiene da alma ia ficando para segundo, terceiro, último plano. Que nojo!
Torga escreveu um dia no seu diário que um poeta anda em constante desquilíbrio enquanto a magia das palavras não dá sentido à torrente confusa das emoções - ou algo assim, ele há-de perdoar-me a adaptação aproximada.
É esse equilíbrio que hoje quero voltar a invocar.
Há meses que andava para dizer isto. Aqui.
Porque doravante quero voltar a este promontório mais vezes, sentar-me neste balcão, mirar-me no espelho do bar e reconhecer-me, ver rostos familiares, acenar aos conhecidos sentados nas mesas e desabafar com o barman.
- "Long time, no see! The same as usual, Joe?"
E não temer a vertigem após o primeiro trago. Afogar as mágoas, mas desembebedar-me das minhas folias, sorver todos os cálices, purgar os ventrículos e as aurículas, expiar os pecados do dia. Virar-me, finalmente, para o pianista e para a sua odalisca, como sempre fatal, vestida de encarnado e semi-curvada lânguida em cima do tampo do piano e pedir-lhes, em jeito de salvação:
- "Play it again, Sam!"
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
sábado, 24 de outubro de 2009
Um dos poemas preferidos do meu conterrâneo António Ramos Rosa
"Não posso adiar o coração"
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração.
António Ramos Rosa,
(in Obra Poética, vol. 1, 1974)
E a forma fabulosa como o projecto Linha da Frente musicou em 2002 o poema ainda o sublimou mais:
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração.
António Ramos Rosa,
(in Obra Poética, vol. 1, 1974)
E a forma fabulosa como o projecto Linha da Frente musicou em 2002 o poema ainda o sublimou mais:
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Obama da Paz
O Prémio Nobel da Paz 2009 foi bem atribuído a Barack Obama. Por tudo o que ele representa. Por tudo o que ele já fez e tem planeado fazer. Pela coragem da sua política. Pela luz que as suas palavras acendem junto da Humanidade. Pela audácia da esperança que já fez nascer em nós.
O resto virá por acréscimo, com amanhãs mais luminosos.
O resto virá por acréscimo, com amanhãs mais luminosos.
Alex Weytjens
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