sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
-
cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

domingo, 16 de agosto de 2009

Bonjour, Monsieur Renard!



Fim-de-semana a deleitar-me com o diário de Jules Renard. Poeta, dramaturgo e romancista francês que viveu entre 1864 e 1910. E apesar de ter deixado vasta obra, a parte desta que sempre mais me interessou foi o seu diário, sobretudo as anotações, pensamentos e aforismos sobre tudo e todos - mesmo sobre artistas amigos, com os quais não foi nada meigo na crítica.

Leio sem cansaço e até à exaustão tudo o que ele escreveu sobre o processo criativo em literatura e sobre a missão desta, se é que esta deve ter/tem um desígnio.

Na semana passada descobri em Paris "Leçons d'écriture et de lecture" das Editions du Sonneur (2009), na livraria "L'Ecume des Pages", em Saint-Germain-des-Prés, mesmo ao lado do Café Flore. E não hesitei. Tinha entre mãos mais um excerto do seu diário.

Aproveitei para desempoeirar da estante o belíssimo romance gráfico que o desenhador francês Fred publicou em 1988 na Flammarion inspirado no diário de Renard. Na obra, Fred não resiste a colocar um trôpego mas mesmo assim brilhante Renard em diálogo surrealista com um corvo, numa alusão à fábula da raposa e do corvo, que faz parte da memória colectiva dos franceses ("renard" em francês significa raposa). Um livro magnífico que me ofereceu em boa hora a Susana Nogueira, ela que, mais do que conhecer os meus gostos literários, sempre soube fazer-me descobrir autores novos e interessantes.

Na época, Renard era sem dúvida novidade para mim. Não tinha ainda lido "Poil de Carotte" nem nenhuma das suas peças. Mas o lápis negro-poético de Fred soube cativar o meu olho e as observações incisivas e acertadas de Renard sobre a sociedade e a literatura tornaram-me adicto imediato do escritor. Eu ficava circunspecto e preso nos lábios de Renard, como o corvo. Eu, que na altura adolescente procurava um sentido a tudo, a mim próprio e à minha suposta e recém-descoberta veia literária.

E passados quase vinte anos, o encanto da escrita (ou "escrítica", como diria Miguel Esteves Cardoso) de Renard continua a ter efeito sobre mim.

Transcrevo alguns dos pensamentos que descobri e outros que redescobri, nesta minha última incursão ao mundo interior de Jules Renard:

"Não há sinónimos. Há apenas palavras necessárias, e o bom escritor conhece-as."

"Se tens talento, imitam-te. Se te imitam, estás na moda. Se estás na moda, passas de moda...Portanto, é melhor não ter talento!"

"O pensador de Rodin tem a cabeça cheia de vazio. Pensar não basta. É preciso pensar em qualquer coisa."

"Um dia poder-se-á construir a casa de felicidade. Mas a maior divisão será mesmo assim a sala de espera."

"Há gente que retira facilmente o que diz como se retira uma espada do ventre do adversário."

"Eles surpreendem-me: escrevem, escrevem! Eu, não posso. Eu não acho nada, ou, melhor, não aceito nada do que encontro. Sim, é isso. Muito simplesmente recuso servir-me de um certo talento que basta aos outros."

"O artista é um homem de talento que crê estar sempre a começar."

"Teria gostado de ser ave, esse fruto nómada da árvore."

"As minha palavras farão fortuna. Eu não! Mas uma boa palavra vale mais do que um mau livro."

"Há homens que são tão asseados que mudam de opinião como mudam de camisa."

"Deus não foi nada mal sucedido com a Natureza. Mas não acertou com o Homem."

"O seu marido não tem nada, mas crê que está doente, disse um dia um médico a uma velha senhora. Alguns dias depois, cheia de confiança neste grande médico, ela vem dizer-lhe: O meu marido crê que está morto!"

"Metade da casca de uma árvore ignora o vento norte."

"Só os cartazes eleitorais guardam durante algum tempo as suas opiniões políticas."


1 comentário:

Dunyazade disse...

Muito, muito bom. Muito interessante.