sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
-
cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Der Himmel in Bonn

(Excertos do meu Caderno de Itinerários)

23h37 / 26 de Abril de 2009

Petersberg, Königswinter, Bona

(...)
Estou instalado no histórico Hotel do Petersberg, hoje Steigenberger Grandhotel. Vista altaneira sobre Bona e o Reno que serpenteia em direcção a Colónia mesmo ao passar pela cidade de Beethoven. É a partir daqui que para sul se encrespam as montanhas que levam à Eiffel. Para norte, a Renânia-Norte Vestfália. Colónia avista-se a 25 quilómetros, quando as neblinas e as névoas o permitem. O parque verdejante que envolve o hotel convida a um passeio matinal. Defronte do hotel, a capela onde casou Schumi, o corredor de Fórmula 1 mais famoso do Mundo. O gerente do hotel, um trintão de origem mexicana cujos pais emigraram há duas décadas para a Alemanha, conta-nos que o Hotel tentou durante anos publicitar os charmes da pequena igreja e da mata do Petersberg, em vão. Depois de Schumacher ali ter casado, não dão vazão à agenda, ri-se.

Nas traseiras do hotel, o embaraço é escolher em qual das magníficas esplanadas-miradouro sentarmo-nos, para disfrutar a vista sobre todo o Siebengebirge, literalmente "as sete montanhas", embora todo o maciço conte mais de 40 montanhas e colinas. Daqui avistam-se o castelo neogótico de Drachenburg, a estância de Könisgwinter com o seu o cais fluvial, o Reno calmo e sereno, e, mais adiante, Bona que se estende, rejuvenescida.

Bona foi quase completamente destruída durante a II Guerra Mundial e depois reconstruída. Um ou dois obeliscos furam a altura mediana dos prédios baixos da cidade: a torre da Deutsche Post e um outro edifício vizinho. É uma cidade rasa, pequena. 300 mil moradores. Colónia, em comparação, tem mais de um milhão. No meu luxem-burguesismo pacato, de cidadão de país que não chega ao meio-milhão de habitantes, hesito na definição de "cidade pequena".

O hotel é quatro estrelas. As instalações sim, o serviço nem sempre. A comida podia ser melhor. Tive disto o dia todo no Egipto e em Maiorca e em todos os outros enclaves turísticos para germânicos por onde passei. Mas gostei da imensa galeria branca, imperial, de grande janelas de sacada, que deixam entrar muita luz, permitindo assim almoçar agradavelmente. Muito Sissi! Era aqui o lugar de estadia dos chefes de Estado em visita quando Bona era capital e Adenauer, também oriundo da região, chanceler.

Depois do almoço tardio (14h), descemos até ao centro de exposições e arte da cidade para ver uma mostra emprestada por Winterthur (Suíça) a Bona, até Agosto. O edifício data do fim dos anos 80, faz lembrar traços do Centro Cultural de Belém, que abriu meio-lustro depois. Fica na "Museemeile". Ora aí está uma ideia para o Luxemburgo. Estão expostas obras dos modernistas. O que são "pissenlits"? Adorei o quadro do Van Gogh. E o carteiro. Kandinsky, Klee, Monet, Picasso, Rodin, Hans Arp, os cubistas e os órficos. Sou definitivamente fã de todo o movimento dada. Traduzi há uns anos um Dicionário de Citações Dadaistas e Surrealistas. Assim, só por prazer. E hoje, mais do que nunca, assino e persisto.

(...)
17h. Concerto na Beethovenhalle onde tive o privilégio de aplaudir Daniel Berenboim que dirigiu a "Staatskapelle" na 9a Sinfonia de Gustavo Mahler. Digo privilégio porque Berenboim é o paradigma do cidadão planetário do séc. XXI: nasceu argentino, mas tem origens russas e judaicas, e é hoje israelita. Mas acima de tudo, acredita no diálogo intercultural e intercomunitário como condição sine qua non para o futuro da Humanidade. No virar do século, acreditando que o principal problema do conflito israelo-árabe era um ódio baseado no desconhecimento do outro, promoveu um sui generis diálogo cultural ao criar uma orquestra israelo-palestiniana, a West-East Divan, que é hoje um exemplo mundial de tolerância.

Mahler... Quem foi exactamente Mahler. Em que século situá-lo? Perco-me nos meus pensamentos e fico a cismar na minha ignorância musical clássica. Tenho que consultar uma Enciclopédia da História da Música. Quem inventou a clave de sol, a pauta, os valores das notas?... E tem que haver uma explicação para todas aqueles termos italianos: piano, adagio, allegro?...

Bona hesita entre promover-se como cidade das Nações Unidas ou como a cidade de Beethoven. Mas parece que, nos últimos anos, resolveu optar por esta última. O "Beethovenfest", no Outono, que Viena nunca teve (até agora) a ideia de oragnizar é, mais do que uma ideia, um orgulho consensual de todos os habitantes. Para promover melhor ainda a capital do grande mestre da música, esta já caduca Beethovenhalle deverá ser substituída nos anos vindouros por uma nova sala. A concurso estão vários projectos, alguns calatrávicos, como "A Nuvem" e "outros mais conservadores, e há até um projecto luxemburguês do arquitecto grão-ducal Valentiny.


19h. No gasthaus (casa de repasto, mas que literalmente significa "casa de convivas") "Im Stiefel", na Bonnegasse (avenida de Bona; na realidade é uma artéria estreita pedonal, no centro da cidade) onde Beethoven jovem passava algum tempo, já que morava numa casa vizinha, mesmo ali junto às muralhas que delimitavam os confins da então vila. Porquê ali? Porque era ali que as rendas eram mais baratas. O músico provinha de uma família modesta que podia apenas pagar uns aposentos nas traseiras da casa. Na altura, explica-nos a nossa guia, os impostos pagos por cada família baseavam-se "no número de janelas que davam para o lado da frente da casa" (dixit).

Servem-nos cerveja preta da Alemanha de Leste e sopa dentro de um pequeno pão desmiolado. É uma sopa passada, cremosa com bocados de bacon e vegetais. É delicioso. Depois trazem-nos uma espécie de bolas de batata com couve vermelha, guisado de vaca e compota de maçã. Provo a couve, espenico, afasto a compota com o garfo, molho a carne no puré consistente, mas deixo o resto no prato. Sobremesa: bola de gelado frita. Nada de novo.
Regresso ao hotel. Antes de subir para o quarto, vou até ao bar beber uma última cerveja. Nas paredes há caricaturas de políticos alemães. Recosto-me numa poltrona e reconheço Merkel, Adenauer, Kohl, poucos mais. Algumas palavras trocadas num alemão aproximado e descubro que o barman é português. O senhor Brito é além disso algarvio. Está cá há 30 anos, diz, mas já falta pouco para regressar com a bem merecida pensão para Portugal.
Onde há um português, há sempre dois ou três.

15h42, 27 de Abril de 2009

Navegando no Reno, Bona-Königswinter

De manhã, visitámos a casa onde terá nascido Beethoven, ao lado do "Im Stiefel". Mas o mais interessante é a loja defronte, uma espécie de antro de um pintor tresloucado e dilletante, com telas expostas por toda a loja até à rua. Deambulamos até ao largo central, o Rathaus (Câmara Municipal). onde está montado o mercado, com bancadas de frutas e legumes. Dois luxemburgueses do grupo aproveitam para comprar ...endivas, porque, explicam, "são maiores, mais saborosas e mais baratas do que no Luxemburgo". Hã...?

Almoçamos no "Em Höttche", uma taberna do séc. XIV no canto do largo, junto à Câmara, como o epiteto indica numa das traves de madeira da fachada : "Das historische Gasthaus am Rathaus, Anno 1389". Na realidade, o café foi destruído durante a Segunda Guerra Mundial, tendo sido depois reconstruído com a traça medieval original. Beethoven terá sido um dos clientes habituais e, como na altura também se dançava nas tabernas, é para aqui que terá trazido várias namoradas. Depois do almoço, passeio pela cidade, até aos antigos Correios, onde foi erigida nos tempos da Prússia, uma estátua de Beethoven. Passamos pelo adro de uma igreja, onde rolaram duas cabeças gigantes em pedra. Não oiço a explicação da guia e fico a imaginar um improvável duelo de titãs que ali terá ocorrido em tempos mitológicos... Atravessamos o parque da Universidade e descemos até às margens do Reno. Apanhamos o barco para Köngiswinter. Está nebulado, mas daqui a tarde parece mais bonita. Enquanto os outros se refugiam na popa, eu sento-me na proa e deixo o vento fustigar-me o rosto. Não resisto a provar uma Apfeltorte e um "Café mit Sahne" (imitação de cappuccino). Todas as tardes do mundo deveriam ser assim...

Sem comentários: