Do capitalismo de casino ao hipercapitalismo
O ano de 2009 será, sabe-se já, o primeiro da ressaca que nos deixou a crise financeira provocada pelo capitalismo de casino, crise sintomática de uma economia de mercado rota. Apoiando-se na auto-regulação advogada por Alan Greenspan, ex-presidente da Reserva Federal americana, a economia tornou-se esquizofrénica ao ponto de estimular o sobreendividamento, a bolha imobiliária, os investimentos especulativos, quem detem os bens e o capital já não é quem verdadeiramente os detem, os preços passaram a ser virtuais, mas as facturas e as dívidas reais.
Na Europa, foi a moeda comunitária e a "euroeuforia" que, apesar das benesses que trouxeram (foi graças ao euro, por exemplo, que alguns países da zona euro não roçaram recentemente a bancarrota, como aconteceu à Islândia), despoletaram a subida virtual dos preços de bens e serviços nos últimos seis anos.
Assistimos agora, e assim continuará a ser nos próximos meses, não a uma baixa dos preços, mas a um reajustamento dos bens e serviços ao seu verdadeiro valor, à semelhança do que acontece com o petróleo, que depois de subir aos históricos (histéricos!) 145 dólares há uns meses desceu agora para os 35. O resto da economia deverá seguir a mesma tendência.
Mas deflação significa também menos consumo, diminuição da procura, recuo da produção, as fábricas funcionam ao ralenti ou abrem falência. É para evitar que esta deflação não caia na espiral de 1929, que os governantes anunciaram medidas que visam relançar a economia: redução das taxas de juro e baixa dos impostos. O Luxemburgo decidiu inclusive antecipar grandes obras que estavam apenas previstas para o início da próxima década e começar a assumir totalmente os salários do desemprego parcial, quando actualmente paga 80% do salário dos trabalhadores a quem o empregador pede uma redução do horário de trabalho.
Estas medidas não passam de remendos, visam colmatar brechas encontradas num momento de crise. O que é verdadeiramente necessário não é relançar a economia, mas lançar as bases de uma economia sustentável, ou seja, que considere os verdadeiros interesses e necessidades do consumidor e que sejam simultaneamente os da sociedade, criando, por exemplo, empregos no sector da tão propalada ecologia (gestão ambiental, cursos de formação ecológica, mais investimento na agricultura biológica por forma a reduzir os preços desses produtos, etc.), revitalizando economicamente zonas mais pobres de uma cidade, país ou região, apostando na economia solidária (comércio equitável, etc.).
Penso que, infelizmente (ou felizmente), esta crise não foi suficientemente grave para que a Humanidade tirasse daí as suas primeiras lições de solidariedade. Ou seja, as coisas deverão piorar antes de melhorar.
É que apesar de Greenspan ter admitido “uma falha” na sua ideologia ultraliberal, um outro economista, Jacques Attali (que foi conselheiro directo de François Mitterand), avisa que o capitalismo ainda não exalou o seu último estertor. Arrumem-se pois então os santos óleos da extrema-unção.
Para Attali, o capitalismo antes de se tornar moderado, colocando o homem no centro da sociedade, ficará ainda mais pernicioso do que é hoje. Attali acredita que nos próximos anos este se desenvolverá em « hipercapitalismo ». Num porvir hipotético, os conglomerados multinacionais tornar-se-ão supranacionais, acima dos Estados e da Justiça, tão poderosos que disporão dos seus próprios órgãos reguladores e sancionadores, evidentemente coniventes, e poderão apoiar ou derrubar governos, elegendo-os ou depondo-os à sua conveniência mercantil.
Quando se vê quem pagou as campanhas presidenciais de Bush e os pretextos que depois este evocou para fazer deflagrar duas guerras (Afeganistão e Iraque), percebemos que as coisas já começaram a funcionar assim.
Com esta crise económica e financeira, a Humanidade já poderia ter aprendido algumas lições. Mas é a História que nos ensina que há etapas que não se podem queimar, e processos de evolução que são inevitáveis de contornar.
José Luís Correia, in Contacto, 31.12.2008
1 comentário:
Um pouco pessimista, não?
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