O 44° presidente dos Estados Unidos
Barack Obama... ou John McCain. À hora em que escrevo estas linhas, os americanos ainda estão a votar, o escrutínio está longe de ter terminado.
Se a contagem dos votos fôr tão conturbada como a de 2000, no momento em que o leitor me estará a ler ainda não se conhecerá o sucessor de Bush.
As últimas sondagens apontavam o democrata Obama como favorito. Mas deixei de acreditar nas sondagens americanas desde que estas deram Al Gore como favorito há oito anos.
Os arquitectos da campanha de McCain ainda acreditam nos estudos de opinião: nos últimos dias recomendaram ao seu candidato refrear as aparições públicas da sua polémica acólita Sarah Palin e adoptar um tom alarmista para que os americanos não dessem o Congresso e a presidência de mão beijada aos democratas. O que a acontecer tornaria o senador do Illinois não só no primeiro cidadão de origem negra na Casa Branca, como um dos presidentes mais poderosos da história recente dos Estados Unidos. No entanto, parece-me ser essa a condição sine qua non para que este filho de um imigrante queniano possa levar a bom termo a sua política de instauração de um sistema de segurança social pública, maior controlo das armas, melhor distribuição das riquezas, retirada das tropas do Iraque e uma diplomacia externa menos… unilateral. Foram, aliás, estas as grandes linhas que lhe mereceram o apoio popular que foi recebendo desde que se apresentou oficialmente como candidato há mais de um ano e meio. Porque muitos americanos sentem que é esse o caminho que deve ser seguido. E a Europa também. Mas...
A América está pronta para isso? A América está pronta para isso. Mais do que uma pergunta de retórica, na afirmativa parece uma evidência. Para um europeu. Ou para um nova-iorquino, talvez.
Para a América profunda, que continua maioritariamente conservadora e que o republicano McCain representa e defende, as pretensões de Obama vão a contracorrente da história americana.
Para os republicanos "a segurança social pública é economicamente inviável" e "injusta, porque um trabalhador não deve pagar a factura médica de um desempregado", como cheguei a ouvir dizer um dos políticos republicanos num canal americano.
Solidariedade social, o que é isso? Já no séc. XIX, Tocqueville denunciava na sua De la démocratie en Amérique , "quando a desigualdade é lei comum na sociedade, nem mesmo as maiores desigualdades ferem o olhar".
Na mesma obra, o pensador francês advoga que "não existe liberdade sem moral". McCain e Palin, acérrimos defensores da segunda emenda da constituição americana – o direito de possuir uma arma – consideram a política de Obama na matéria como uma violação a uma das liberdades fundamentais dos americanos desde os tempos do Velho Oeste. Esquecem-se que a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros, que essa "liberdade imoral" tornou possível que um em cada três americanos possua hoje uma arma, e que esse direito "inalienável" mata anualmente mais de 30 mil pessoas nas ruas dos EUA. "Uma hecatombe menosprezada", como denuncia o polemista Michael Moore em "Bowling for Columbine", documentário sobre o tiroteio numa escola dos arredores de Denver. O mesmo direito a proteger-se preventivamente adaptou-o Bush da perspectiva doméstica à política internacional. Contra o parecer da ONU, invadiu o Iraque para erradicar armas de destruição massiça inexistentes e impor uma democracia à revelia das realidades religiosas, étnicas e geopolíticas do país e da região. A "democracia" (nova apelidação que os EUA utilizam para a "pax americana") visava um efeito dominó que se estenderia a todo o mundo islâmico, considerado o foco do terrorismo internacional, pacificando simultaneamente os estados ricos em jazidas de petróleo.
Considere-se as decisões políticas de Bush e que efeitos tiveram na nossa vida – controlos rigorosos nos aeroportos, contingentes militares europeus e internacionais envolvidos na guerra contra o "Eixo do Mal" no Afeganistão e no Iraque, ataques terroristas em Madrid e Londres, crise financeira internacional provocada pela explosão da bolha especulativa imobiliária americana, alimentada durante anos pela Reserva Federal em nome do ultraliberalismo – e ninguém duvidará que o facto de o 44° presidente dos EUA ser democrata ou republicano terá um impacto mundial.
Por isso o planeta retinha a respiração, enquanto a América votava.
José Luís Correia, in Contacto 05.11.08
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
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