sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Carta do meu sobrinho ao senhor Vladimir

Carta do meu sobrinho ao senhor Vladimir

Nestas últimas semanas, o meu sobrinho tem- -me feito bastantes perguntas sobre a guerra de que ouve falar na televisão, referindo-se à escalada militar que se tem vivido no Cáucaso.

Comecei por lhe mostrar, num mapa, onde se situavam a Geórgia, a Ossétia do Sul, a Abcásia e a Rússia. Tentei depois explicar-lhe, em termos simples, o que estava em questão. A influência que a Rússia, saudosista da potência da era soviética, não quer perder naquela região, por onde passam oleodutos e gasodutos, pormenores que não o são. O direito de cada povo que se sente nação, como parece ser o caso dos ossetas e dos abecases, de aspirar à independência. A integridade territorial de um país como a Geórgia que não pode ser violada. A diplomacia inteligente a que a UE e os Estados Unidos terão de fazer apelo se se pretendem moderadores numa crise política que pode conduzir, no melhor dos casos, a uma Segunda Guerra Fria, e, no pior dos cenários, a um conflito armado de grande escala, que pode inclusive estender-se ao resto da Europa.

Guerras houve que começaram por menos. Enfim, não é fácil explicar a uma criança uma crise internacional da qual nem os analistas políticos entendem bem todos os contornos e muito menos podem prever o que dali pode advir?

No fim da minha explicação, o meu sobrinho fitava-me com grande olhos e acenou positivamente com a cabeça como se tivesse entendido tudo. Confesso que pensei que o tivesse apenas feito para eu ficar por ali com a minha complicada lição de política internacional. "Coisas de gente grande...", deve ter pensado. Imaginei que para ele a questão estivesse terminada e tivesse voltado às suas ocupações de criança.

Mas não. Dias mais tarde, entregou-me um envelope fechado, pedindo-me para o meter no correio. No lugar do remetente, podia ler-se: "Para o senhor Vladimir Putin, chefe da Rússia". Intrigado, não resisti a abrir a carta, que passo a transcrever:

"Senhor Vladimir,

Eu sempre gostei muito da Rússia porque quero ser cosmonauta pois um dia li num livro que o primeiro homem que foi ao espaço era russo e eu também quero fazer como ele quando for grande.

Mas hoje tou zangado com a Rússia porque não percebo porque o senhor quer fazer guerra com os seus vizinhos e até com nós os europeios
. [dixit]

O meu tio disse que podia haver guerra fria e guerra quente. Eu só percebi que nem uma nem outra são coisas boas porque podem matar muitas pessoas de verdade, pois não é como na playstation em que temos muitas vidas.

Mas compreendi bem que todos querem o petróleo porque é com isso que se faz a gasolina para os carros. Só não entendo porque todas as pessoas se queixam que a gasolina está cara, mas todos continuam a comprar carros a gasolina? Tenho que perguntar ao meu tio...

O senhor não acha que o petróleo chega para toda a gente? O meu pai e a minha mãe dizem-me sempre que é preciso saber partilhar. Um dia, um menino da minha escola esqueceu-se da lancheira e a professora Alice pediu-nos para partilharmos com ele. Se cada um de nós lhe desse um bocadinho da nossa merenda, disse ela, não nos fazia diferença e ele também podia lanchar nesse dia. Eu dei-lhe algumas das minhas bolachas e apesar de nesse dia ter comido menos, sentia-me mais contente.

Por isso não percebo como o senhor, que mora num país tão grande, mais grande que o Luxemburgo e até que a América (eu fui ver ao mapa!), não quer partilhar o petróleo que vem do mar. A professora Alice explicou-nos que a paz no Mundo só será possível quando toda a gente entender que as coisas que a Natureza nos dá, não pertencem a um só país mas a toda a Humanidade. Ou o senhor não gosta da paz?

Eu quero a paz, porque assim posso ser amigo de todos e já não há brigas no recreio e um dia mais tarde todos os cientistas do mundo podem juntar-se e fazer naves mais super-tecnológicas para podermos todos viajar no espaço e descobrir novos mundos a quem podemos ensinar a paz".

Mais palavras para quê? As crianças têm o dom natural de simplificar o que os adultos teimam em codificar e complicar. Reflexão feita..., e porque não? Colei um selo, corrigi a morada e enfiei a carta num marco de correio.

JLC, in Contacto, 03.09.08

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