O homem de óculos e bigode, sentado de perna magra cruzada, bebe café. As suas mãos recusam o açúcar e correm nervosamente o tampo da mesa em madeira antiga. Ajeita o colarinho ensopado em suor, olha-se no espelho do bar, alisa o fato amarrotado e o cabelo em batalha. Parece querer erguer-se e sair, mas permanence sentado.
Os seus olhos colidem com os meus. Espero que seja ele a desviar o olhar, intimidado no seu acto de me observar. Finalmente, baixo eu os olhos, para dissolver o açúcar no meu café. Mas, quando lá volto, o gajo ainda está a olhar para mim. Perscruta-me, como se o seu itinerário apenas dependesse de mim. Não estou para aturar isto. Quem é que ele pensa que é. Vou lá. Enfrento-o e digo-lhe: "Vai!"
Fita-me, como se não entendesse, um nada preocupado, e encolhe os ombros. "Vai!", quase grito, fosse ele surdo. "Vai, sai daqui, estás à espera de quê?"
Ele sorri de braços bambos e encolhe os ombros novamente. Acha-me graça, o idiota?
Enfureço. Chego-me a ele, pego-lhe num braço violentamente, levanto-o como uma marioneta e arrasto-o até à porta. "Vá, sai. Põe-te daqui para fora…".
Prescruta-me intrigado. Sem animosidade, com ar de asno, fica especado na soleira da porta olhando-me. Olhos nos olhos, sinto uma tontura, como se ele me possuisse. De onde está, sem se mover, puxou-me até ao seu lugar. Como se me sugasse. Não é humano. Desincorpora-se. Transfigura-se. Olho-o mas já não sei que vejo. A mim. Clonou-me? É como um espelho?
Reconheço-me enfim. Esse palerma esquizófrénico sou eu. Sou eu, violentando-me para me extrair de mim mesmo, para ir apanhar ar lá fora, fora de mim, trazer oxigénio fresco, regenerado, cá para dentro, para esta taverna com cheiro a mofo, este antro soterrado em banalidades e inépcias, este ventre pantanoso e estéril donde não consigo atingir a luz, de onde grito mudo. Naufrago em placenta, estrangulo-me com o meu próprio cordão umbilical, afogo-me, sufoco em mim… Preciso nascer, explodir!
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gosto
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