sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Crítica de filme

Documentário "Plein d'Essence", de Geneviève Mersch

É para atestar, se faz favor!

Mais de 200 milhões de litros de combustível vendidos anualmente, 800 mil litros por dia, 24 bombas de abastecimento para camiões, 27 para automóveis, 74 lugares de estacionamento para pesados, 168 para ligeiros, 70 casas de banho e urinóis! Números que fazem da estação de serviço Shell em Berchem (auto-estrada A3), uma das maiores ou mesmo a maior do mundo. Números que impressionam, mas escondem outra(s) realidade(s). Uma estação de serviço por onde passam mais de cinco milhões de clientes por ano (estação Aral incluída), tem certamente uma dimensão humana, apesar do cheiro omnipresente e nauseabundo a carburante, do aspecto industrial, das bombas verticais, da horizontalidade dos veículos longos que a ela afluem 24 horas por dia, 364 dias por ano. E no meio... correm pessoas. Donde vêm, para onde vão, o que as trouxe aqui, a este canto de Luxemburgo, por um curto instante, tão pequeno quanto a rápida e breve incursão na auto-estrada que as leva de fronteira a fronteira?

"Vim comprar tabaco e gasolina, aqui é mais barato! Como se chama o país? Sei lá, só sei que aqui é mais barato!", lança um idoso num francês de pronúncia belga, com sacos de plástico cheios de embalagens de tabaco nas duas mãos.

Foram momentos destes que a realizadora luxemburguesa Geneviève Mersch quis captar no seu documentário "Plein d'essence". Deixou por isso os números astronómicos de lado, reduziu os mastodontes à escala humana e pôs-se a interpelar quem por ali transitava.

Em 26 dias (e noites) de filmagens ao longo de 15 meses falou com dezenas de fronteiriços, automobilistas, camionistas, caravaneiros, excursionistas, veraneantes de todas as nacionalidades, trabalhadores da Aral e da Shell, e viu todas as estações do ano passarem pela estação, chegando até a passar lá um Natal. Uma passagem que constitui um dos momentos mais comoventes do filme. Quem passa um Natal numa bomba de gasolina?

"Como reconhecer um camionista?" foi outra das questões existenciais para as quais a realizadora obteve resposta. Hoje é peremptória: "Os clichés existem, mas por vezes as aparências enganam. Há camionistas com tatuagens e cara de pouco amigos, mas depois são pessoas com quem tive conversas muito interessantes", conta. À realizadora, estes queixam-se das condições de trabalho. "Isto já não é o que era, com as deslocalizações ainda é pior!", resmungam. Não visitam países, vêem estrada e alcatrão, pouco mais. Falam das longas viagens, sempre a sós, longe das famílias, apenas com um gato ou um cão como companheiros. Os que nem isso têm, optam por pósteres de curvilíneas, siliconadas e mais-que-perfeitas manequins marotas em trajes menores para decorar as paredes da cabina do camião. Melhor que nada, sempre servem de companhia.

"É um filme de retratos", diz Mersch, "e não um documentário jornalístico, nem um filme de publicidade para as estações de serviço", faz questão de frisar. A partir de uma ideia que teve há dez anos, recuperada este ano no âmbito do Luxemburgo 2007 - Capital Europeia da Cultura, esta produção com o selo da Samsa Film estreia a 6 de Julho.

José Luís Correia (in Contacto, o4.07.07)

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