nova babel
Fui ver o filme “Babel” de Alejandro González Iñárritu (“Amores Perros”, 1999; “21 Grams”, 2003). A torre não chegou ao céu, mas mundializou-se. Uma espingarda norte-americana, comprada por um japonês viúvo, pai de uma jovem em plena crise de adolescência, é usada por uma criança marroquina que brinca nos planaltos do Atlas para alvejar uma turista americana, que correu meio-mundo atrás do marido, depois deste fugir da morte súbita do recém-nascido de ambos, enquanto os filhos do casal são levados pela baby-sitter mexicana, ilegal há 16 anos nos Estados Unidos, para uma casamento muy tipico para além do novo muro da vergonha.
Globalizou-se também a confusão das línguas e das culturas. É o que nos querem fazer querer, desde os deturpadores de Samuel Huntington aos seguidores de Alvin Toffler. Mas entre homens de boa vontade, a língua pode ser diferente, a linguagem é perceptível, a mensagem passa. Neste filme, entre a criada mexicana e os filhos do casal americano, entre o marido da turista americana e o jovem marroquino que o acolhe na sua aldeia perdida, ou entre a surda-muda e o polícia que não precisa de gestos para entender o pedido de socorro da jovem.
(Sempre pensei que os casos em que os pais falam aos filhos em árabe, berbere, italiano ou português e estes respondem em francês ou que quando eu falava à minha namorada em algarvio e ela me respondia, por graça, em luxemburguês, isto fosse uma caracterísitica que apenas existia em França ou no Luxemburgo. Na minha ingenuidade etnocentrista, esqueci que todas as comunidades emigradas, em qualquer que seja o país onde se encontram, tendem a reproduzir os mesmos mecanismos de integração na sociedade e cultura de acolhimento. Que rima, em maior ou menor grau, com assimilação, consoante o sistema social e educativo do país onde chegaram e do envolvimento dos pais na educação (no sentido lato) dos seus filhos.
Fechar parêntesis.)
No sentido inverso, nem sempre a mesma língua é uma condição sine qua non para que os homens se percebam, levantando a desentendimentos, depressões, brigas, confusões, mortes. No filme: o marido da turista e os outros turistas americanos e europeus (ocidentais!), pai e filha no Japão, esta e os outros jovens japoneses, a polícia marroquina e os aldeões, tia e sobrinho mexicanos.
Assim sendo, devemos atribuir à torre de Babel, a origem da confusão das línguas ou aos homens de má vontade?
A morte e o seu espectro pairam durante toda a história. Não sabemos quando acontecerá, mas presentimo-lo. Acaba por abater-se sobre um inocente. Uma morte ligada à compra de uma arma. Mesmo se o realizador escolheu (propositadamente?) um cenário do outro lado do mundo, acaba por ser um piscar de olhos ao porte de arma permissivo nos Estados Unidos, que diz respeito a muitos jovens que são vítimas do “first amendement”, estejam do lado de cá ou do lado de lá do gatilho.
A torre de Babel, esta aldeia global na qual vivemos, está longe de chegar ao céu!
Se Fernando Pessoa disse que a sua pátria era a língua portuguesa, para o realizador mexicano, a "pátria" ou mesma a "mátria" (do latim "mãe") é... a mensagem. A mensagem é mais importante que a língua. As crianças, que vejo nos infantários e escolas luxemburgueses rirem e brincarem entre si sem falarem uma mesma língua, são as que no-lo ensinam melhor.
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