Porto sentido, sentado no Grund
Chove há quantos dias? O Outono, que eu sempre idealizara romântico e ameno, em cores de auriverde, como num filme piroso com a Winona Ryder e o Richard Gere, destila-se em cheias e aguaceiros, em rajadas e trovoadas, escorre pelas paredes do mundo e pelas sarjetas da minha rua. “Água que Deus amanda”, oiço a minha mãe explicar-me, junto ao velho fogão a lenha, nas noites de tempestade em que eu não conseguia dormir a não ser no seu colo morno, como se a benignidade da benção divina servisse apenas para fertilizar a terra e não para assustar os homens.
Um passeio no Grund ou no Cais das Barcas, debaixo da ponte vermelha ou da ponte D. Luiz, uma Guinness no Scott's, atravessando o Alzette e a Pétrusse, ou um Calém Reserva, a caminho do Taylor's, como “quem vem e atravessa o rio, junto à serra do Pilar, vê um velho casario, que se estende até ao mar”.
A luz foge à manhã, que se esvai taciturna, moribunda e inane. Aqui, nas terras vermelhas, do promontório deste burgo ou na Foz do Douro... Não suporto crepúsculos a meio da tarde. Ou que as sombras comam os dias como os que eu quisera ledos em Wroclaw e Zakopane. Quero exorcizar de mim os velhos amores que me assombram, a depressão de Inverno, que sinto chegar por uma escada oculta. Escrevo à menina. Assedia-me o travo perfumado, a lembrança da sua língua, dos meus gestos antes tímidos, da linguagem muda das nossas bocas querendo deflagrar o Outono, dos nossos corpos hesitantes, que finalmente mergulham de olhos bem abertos um no outro, num hotel sem nome, junto a um aeroporto, cais moderno das novas partidas, que nos lembra com insistência que o nosso voo também será breve e que os amantes se deverão apartar. Para mais tarde se juntar, quis acreditar.