António-Pedro Vasconcelos falou com José Luís Correia,
em entrevista ao nosso jornal Foto: M. Dias
CONTACTO: Ficou surpreendido e contente por ver na ante-estreia do "Jaime" aqui no Luxemburgo uma sala do Cinema Utopolis completamente cheia?
António-Pedro Vasconcelos: Fiquei contente, claro. Afinal nós fazemos os filmes para termos estes momentos. Não há nenhum autor que não tenha uma grande ansiedade quando faz um filme ou escreve um livro ao esperar o momento em que o público vai dar o veredicto. Apesar de haver muitos portugueses na sala, constatei que um filme não é necessariamente feito exclusivamente para um público nacional. Já tive essa experiência em Espanha, no Festival de San Sebastian, onde houve uma recepção ao filme idêntica, calorosa e entusiástica. Fazemos filmes sobre aquilo que conhecemos e portanto são filmes que têm a ver com a nossa cultura e que estão enraizados numa determinada realidade, mas podem ser feitos susceptíveis de serem apreciados por toda a gente pelo mundo inteiro, na medida em que falam de sentimentos e transmitem emoções partilhadas por culturas diferentes e pessoas diferentes. É isso que nos gratifica das dificuldades que nós tivemos.
CONTACTO.: Depois de oito anos afastado do cinema como é que resolveu lançar-se neste projecto?
A.P.V.: Estive afastado durante cerca de quatro anos porque decidi aceitar responsabilidades políticas quer a nível nacional, quer a nível europeu com o Comissário Deus Pinheiro, porque me pareceu que havia qualquer coisa a fazer para tentar dar a volta às dificuldades que um cineasta que tenta fazer cinema encontra num país pequeno como Portugal e mesmo na Europa. Por isso achei que era um desafio quando me propuseram responsabilizar-me pelo audiovisual em Portugal e representar o nosso país nas instâncias europeias, e fazer com o prof. Deus Pinheiro uma reflexão sobre o futuro do audiovisual na Europa. Quando percebi que quer a nível português, quer a nível europeu não há vontade política para mudar as coisas, voltei. Voltei e tentei recomeçar a minha actividade. Tentei fazer vários filmes mas tive imensas dificuldades, sistematicamente os meus projectos foram recusados. O próprio "Jaime" foi "chumbado" por uma Comissão, presidida pelo Dr. Prado Coelho, que achou que o filme não tinha interesse nenhum. E estive assim durante 4 anos sem conseguir montar um único projecto.
CONTACTO: Este filme aborda o problema da exploração do trabalho infantil. Porquê a escolha deste tema?
A.P.V.: Foi o produtor luxemburguês Jani Thilges, que eu já conhecia há muito tempo, e que conhece muito bem Portugal por já lá ter produzido outros filmes, que me propôs produzir um filme. Eu tinha vários projectos e ele escolheu este por lhe parecer o mais interessante. Escolhi este tema porque achei que o cinema português e europeu falavam muito pouco desta realidade e que era preciso chamar a atenção para isso. A partir daí construí-se uma história...
CONTACTO: Este é mais um da série de filmes feitos em colaboração com o Luxemburgo. O que pensa que esta troca traz tanto a um país como ao outro?
A.P.V.: É sempre bom juntar mais do que um país, porque multiplicam-se os financiamentos, e um dos problemas que enfrentamos sempre é o dos financiamentos. Por outro lado, dá mais garantias que os filmes sejam estreados e vistos em mais do que um país. Esta co-produção também permitiu que este filme beneficiasse de técnicos muito competentes, nomeadamente no som e na decoração, que eram luxemburgueses, e de um belga na montagem. Foi um encontro feliz que nasceu do facto do Jani Thiltges conhecer muito bem o Luís Galvão Teles, que é um realizador radicado aqui no Luxemburgo, e como eu também conhecia o Luís, foi por essa via que a colaboração se fez. Eles criaram aliás uma sociedade em Lisboa [n.d.e.: trata-se da Fado Filmes] e têm a intenção de continuar a produzir com Portugal. Esta colaboração é muito boa para o cinema português, já que o Luxemburgo está no centro da Europa e irradia pelas suas raízes francófonas para todo o mercado da cultura francesa, o que é excelente para Portugal cujo grande problema histórico é o isolamento geográfico e cultural. Eu sou um cosmopolita e sempre defendi que as culturas têm condições para se universalizar ou então morrem e transformam-se em folclore.
CONTACTO: Como explica o sucesso de «Jaime»?
A.P.V.: É sempre difícil, mesmo ao próprio autor, explicar um sucesso assim. Mas espero que o sucesso do «Jaime» se deva não tanto ao tema mas à maneira como é tratado, ou seja, ao meu carinho pelos personagens e a melhor maneira de tratar bem os personagens é tratar bem os actores. E penso que o facto dos actores parecerem pessoas, que é uma coisa que nem sempre acontece no cinema português, darem corpo aos personagens, transportarem emoções, sentimentos e viverem conflitos com os quais as pessoas se identificam facilmente, é o que explica o sucesso do filme. Eu gostaria de pensar que não é porque se fala do trabalho infantil ou porque trata de crianças. Os meus filmes de uma maneira geral, com altos e baixos, têm tido um sucesso idêntico – estou–me a lembrar, por exemplo, d' «O Lugar do Morto», que na altura fez até mais espectadores do que o «Jaime». Penso que é o facto de eu fazer personagens de carne e osso e tornar credíveis as situações, e espero não perder a mão nos meus próximos filmes.
CONTACTO: Como é que foi filmar com crianças?
A.P.V.: Tornou-se fácil porque quer um, quer outro eram muito dotados. O mais difícil eram quando estavam juntos. Eu tenho filhos e sei como é, quando os miúdos estão juntos é sempre mais complicado... Foi fácil sobretudo porque perceberam ambos relativamente depressa o que era ser actor e representar.
CONTACTO: A crítica diz que este filme anuncia uma fase mais madura da sua carreira. Concorda ou pensa que este filme vem numa continuidade lógica e natural do seu trabalho?
A.P.V.: Vem numa continuidade lógica, mas é lógico que o trabalho amadureça e portanto acho que é um filme mais amadurecido e talvez o meu filme mais bem construído ao nível da história do argumento, que é uma preocupação muito grande que eu tenho. Há outros filmes em que há momentos que eu gosto mais, mas este é talvez o meu filme mais equilibrado, mais redondo, e nesse sentido tem muito a ver com o que eu fiz antes, portanto é um amadurecimento óbvio.
José Luís Correia
in jornal CONTACTO 29/10/2000