Aos 26 anos, Sara Tavares é já um valor seguro da música em Portugal
Foto: Jos. Scheer
A meio caminho entre a África e a Europa, e com influências que vão desde o gospel e o jazz à bossa nova, passando pelo fado e pela música portuguesa, as canções de Sara Tavares conquistaram a cidade alta de Wiltz, no passado domingo.
A assistência – cerca de 300 pessoas – deixou-se aquecer pela voz solar da cantora, apesar da chuva e do frio que insistiam. Sara soube, a cada instante – com músicas como "Chuva de Verão" e "Tu és o Sol" – aproveitar o lento entardecer bucólico do local, para transportar o público num arco-íris musical que durou cerca de uma hora e meia. Afinal, ela era a estrela, o novo sol.
A jovem cantora, hoje com 26 anos, provou que fez uma longa caminhada desde a "Chuva de Estrelas" (programa da SIC, onde foi revelada, em 1994). Cantou músicas dos seus dois álbuns com voz sempre sentida e como se estivesse entre amigos. E estava, porque o público, até aquele que não conhecia o seu trabalho, rendia-se. "Estrela Mãe" (já a noite caía), escrita por Paulo de Carvalho e composta por Ivan Lins especialmente para si, foi um instante sereno.
Sara ofereceu ainda ao público "Balancê", do seu próximo álbum. Alternavam músicas suaves e outras mais batucadas e houve quem não resistisse a dar um pé de dança e saltasse da plateia para junto do palco. Trocando a guitarra pela percussão com bastante à-vontade, Sara encantou sobretudo em momentos únicos como quando cantou a solo a canção de embalar "Barquinho da Esperança", do seu primeiro álbum ("Sara Tavares & Shout", de 1996), um original das "Doce" (escrito, em 1984, por Pedro Ayres Magalhães e Miguel Esteves Cardoso), que revisitou com a sua voz quente, ao mesmo tempo que tocava "calimba" (um instrumento africano feito a base de palhetas).
No fim, e com o seu sorriso, Sara conseguiu mesmo contagiar os mais fleugmáticos e irredutíveis do público a acompanharem-na em "Mi ma bô" (canção do álbum do mesmo nome de 1999).
Em conversa com a nossa reportagem, confia-se seduzida por Wiltz: "Quem organiza este Festival tem uma visão com muita sensibilidade. É muito bonito. Cantei a primeira canção a capella com os passarinhos (sorrisos)... Apesar de ser um recinto ao ar livre, as pessoas respeitarem silêncio absoluto. É um lugar fantástico. Adorei!"
Sara ainda se lembra bem da sua passagem, há quatro anos, por Kockelscheuer.
"Quando vim cá pela primeira vez, estava muito entusiasmada, o disco tinha saído há pouco tempo. Era das primeira vezes que eu saía de Portugal com aquele disco. Havia aquela euforia de mostrar a música às pessoas", recorda.
E fala-nos da sua evolução desde então: "Embora o projecto usasse as mesmas canções como base, é agora diferente. Hoje, estou numa fase mais intimista, estou preparada para explorar outras sonoridades. Estou mais próxima não só das minhas raízes culturais e familiares, mas das minhas raízes pessoais e espirituais. Sinto-me mais madura, embora saiba que é um processo e que ainda sou muita nova." Este processo explica-o, afirmando-se profundamente mediterrânica.
"Nasci e cresci em Portugal e a música portuguesa esteve sempre presente. Depois, quando comecei a trabalhar, interessei-me muito pela música cabo-verdiana. Em Cabo Verde sou aceite como crioula, mas também sou vista como uma europeia. A minha música está também a meio caminho desses dois continentes", diz. O próximo álbum já está na calha, mas "não há datas", e justifica-se dizendo que "diariamente trabalho nas ideias, nos arranjos, serão essencialmente composições minhas. Estou num processo muito grande de descoberta da minha musicalidade. É isso que eu quero agora apresentar e partilhar com as pessoas".
Tendo optado pelo gospel em determinado momento da sua carreira, hoje, os seus sons mudaram, mos o essencial ainda lá está: "Acredito muito em Deus. Acho que a minha música é uma oportunidade de abraçar as pessoas e de lhes passar uma mensagem. Será sempre a mensagem bíblica de paz e amor, e de libertação para todos os povos". Não gosta que lhe chamem nem se considera embaixatriz de Cabo Verde, ao mesmo título que Cesária Évora, por exemplo. Diz antes que a sua voz representa a "nova geração, dos que nasceram em Portugal, no Luxemburgo, na Holanda, na América, onde há grandes comunidades da segunda e terceira geração de cabo-verdianos".
"Eu não canto os estilos tradicionais de Cabo Verde. A minha música é mais contemporânea, mais europeia, mais mestiça ainda que aquela mestiçagem". No fim do concerto, o público não a deixou partir sem um "encore". Voltou com "Borboleta" e a esvoaçar se foi... para voos mais altos. Por cá, esperamos pelo seu regresso.
José Luís Correia
in CONTACTO, 16/07/2004
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