Heroína de Pina Foto: Teddy Jaans |
Acompanhou o crescimento e a evolução do jornal até 1987 - altura em que este passou da alçada das APL para a responsabilidade da Imprimerie Saint-Paul (ISP) - partilhando os sonhos, o esforço, o "amor à camisola" do seu marido e de um pequeno grupo de "carolas" que iam dando tudo para que o jornal fosse publicado e chegasse às mãos dos leitores.
O CONTACTO foi falar com Heroína de Pina sobre os inícios dificeis do lançamento do jornal e os primeiros anos, como evoluiu e como o vê hoje, 30 anos depois.
CONTACTO: Enquanto uma das testemunhas privilegiadas do nascimento do jornal CONTACTO, pode dizer-nos um pouco como tudo aconteceu?
Heroína de Pina: Antes de existir o CONTACTO propriamente dito, existia uma folha policopiada, a "Voz do Imigrante", que foi criada para permitir a comunicação entre portugueses, a passagem da informação, já que não havia imprensa portuguesa, nem meios de comunicação portugueses. Daí o desejo de se criar num primeiro tempo esta folha policopiada, para manter ao corrente os imigrantes do que se ia passando no Luxemburgo, e durou cerca de um ano. Essa folha foi criada essencialmente para ser um elo de ligação entre os portugueses aqui radicados e Portugal. Já na altura o Sindicato Cristão nos ajudava na elaboração dessa folha. Esta folha foi mais tarde substituída pelo jornal CONTACTO, que continuou sob a direcção das "Amizades Portugal-Luxemburgo".
CONT.: Como nasceu a ideia de criarem um verdadeiro jornal?
H.P.: A folha não tinha uma periodicidade regular, nem grande qualidade gráfica. Fez-se um jornal para sair regularmente todos os meses e com outro tipo de grafismo, imagem e informações mais completas. Sentimos a necessidade de introduzir mais informação. As exigências eram outras, a comunidade portuguesa foi aumentando.
O jornal passou a ser distribuido não só aos sócios das APL (a ficha de inscrição às APL incluia uma assinatura anual), mas também nas igrejas e noutros locais ao público. O jornal tinha nessa altura muita importância para os imigrantes.
Através do CONTACTO os portugueses ficavam informados sobre certas questões administrativas, alterações de certas leis, modificações dos contratos de trabalho, períodos de férias e outras informações de interesse geral.
A nível do governo, existia apenas um Encarregado do Ministério que estava provisoriamente ao serviço da Imigração, só mais tarde foi nomeado um Comissário. Antes disso não havia quase nada e assim era necessário criar algo para informar os portugueses.
No príncipio era dificil, envíávamos os textos daqui para Portugal, depois este era impresso e paginado numa gráfica de lá e só depois regressava para poder ser distribuido aqui no Luxemburgo. Aconteceiam frequentemente atrasos ou por causa da tipografia ou devido aos correios. Os nomes e as moradas eram escritas à mão numa cinta em que eram envoltos os jornais, tudo isto era feito por um grupo de voluntários. Durante muito tempo o jornal esteve a cargo do meu marido.
Em 1976 teve problemas de saúde e deixou de poder continuar à frente do jornal. Sucederam-lhe o Pe. Manuel Fernandes e o sr. Huss.
Quando o meu marido e eu chegámos cá em 1964 não havia cá muitos portugueses, havia talvez cerca de 500 dispersos por todo om país. No príncipio quando ouvíamos falar português era uma coisa extraordinária. O meu marido sempre tentou que os portugueses não estivessem sozinhos, que os luxemburgueses reconhecessem, apreciassem e recompensassem o trabalho dos portugueses. E assim que chegou cá começou logo a pensar em fazer alguma coisa.
Em 1965, o meu marido juntou alguns portugueses que entretanto tinham chegado ao longo desse ano e a primeira coisa que ele fez foi organizar a Festa de Camões, o Dia de Portugal, na qual apareceram mesmo muitos portugueses.
Nos primeiros anos da imigração portuguesa o Dia de Portugal continuou a ser organizado pelas APL, das quais o meu marido foi também um dos fundadores. Multiplicou contactos com alguns luxemburgueses e portugueses e daí nasceram as "Amizades Portugal-Luxemburgo". Foi aliás no seio das APL que nasceram o primeiro grupo folclórico português "Flores de Portugal" e a primeira equipa de futebol portuguesa.
Mas o meu marido não quis ficar-se apenas pelas APL, e criou-se então uma folha informativa que tinha os mesmos objectivos das APL: veicular a informação e comunicação entre imigrantes portugueses do Luxemburgo, não deixar morrer o contacto destes com Portugal, fomentar o diálogo com os luxemburgueses e ajudar os portugueses na sua integração na sociedade de acolhimento. O espírito que levou à criação do CONTACTO é o mesmo espírito que tinha levado à criação das APL.
CONT.: Considera que o CONTACTO contribuiu à integração dos portugueses na sociedade de acolhimento?
H. P.: O CONTACTO ajudou muito a integração dos portugueses no Luxemburgo. Os portugueses que recebiam o jornal estavam informados sobre o que se passava em Portugal e no Luxemburgo e as dificuldades e problemas que a imigração portuguesa enfrentava no seu dia a dia. A comunicação não era como agora, nem se ia com a mesma facilidade a Portugal como se vai hoje.
CONT.: Como viveu a transição do CONTACTO das APL para a ISP, em 1987 ?
H.P.: Há muitos anos que se andava a tentar que o CONTACTO fosse tomado a cargo pelo grupo ISP, que edita o principal jornal do país, o “Luxemburger Wort”. Os custos do jornal foram durante 17 anos suportados unicamente pelas APL. O jornal também tinha muito poucos anúncios que pudessem ajudar nas despesas. O jornal tinha-se tornado demasiado dispendioso para poder ser suportado pelas APL e era difícil continuar a sua impressão, publicação e o seu envio de Portugal. As APL também não podiam pagar uma impressora aqui no Luxemburgo. A única e melhor solução era ser retomado por um grupo forte como o da ISP. E o facto do CONTACTO passar a ser publicado pela mesma casa que o “Wort” era afinal o reconhecimento da utilidade pública do próprio jornal.
CONT.: Com que olhos vê/lê hoje um jornal que ajudou a fundar há 30 anos?
H.P.: Não fui uma das fundadoras. Mas através do meu marido estive sempre ligada ao jornal de uma forma ou de outra. Participei muitas vezes com textos para a rubrica de culinária ou para a página feminina... Ao olhar hoje para o jornal vejo que houve uma grande evolução e penso naquela “folhinha” policopiada, nos primeiros números do jornal com apenas algumas páginas. Hoje o CONTACTO tem a sua própria Redacção. Antes de passar sob a alçada da ISP a redacção do jornal era constituida unicamente por membros das APL que com muito esforço iam escrevendo e aguentando o jornal. Mas muitas vezes era o meu marido que escrevia vários textos assinando com iniciais diferentes para parecer que o jornal era escrito por muita gente. Guardo em casa todos os jornais, do primeiro de Janeiro de 1970 ao último feito pelas APL, em Dezembro de 1986, e no outro dia passei com os olhos pelos velhos números, e vê-se a grande diferença que existe entre esses números e o jornal hoje em dia. Reparo por exemplo que o conteúdo do jornal mudou. Hoje traz assuntos que não abordava na altura e vice-versa. Percebo que as necessidades dos leitores do jornal nos anos setenta não são as mesmas de hoje, no ano 2000. Mas há problemas que continuam a estar na ordem do dia como os problemas de Ensino, deTtrabalho, etc.
CONT.:Como vê o futuro do jornal?
H.P.: Não sou vidente... Mas o que eu desejo para o CONTACTO é que continue por longos anos, tornando-se cada vez melhor, já que este jornal foi um dos sonhos do meu marido. Espero também que o jornal continue aberto a tudo e a todos, foi também sempre algo que defendeu o meu marido.
José-Luís Correia
in CONTACTO, 05/05/2000