A quinta-feira, 15 de Setembro, marca o regresso às aulas, mesmo se muitas escolas já começam a funcionar na segunda-feira e outras ainda antes.
Há semanas que crianças e jovens andam num nervoso miudinho, arrumam pela enésima vez a mochila mais que pronta, procuram no estojo algo que lá faltasse, revêem uma última vez a lista dos livros e manuais. É o ritual anual que antecede o – esperado por uns, temido por outros – regresso às aulas.
No Luxemburgo, o ano lectivo 2016/2017 começa com muitas novidades: uma escola pública nova com um conceito diferente abre portas em Differdange; as aulas de “Vida e Sociedade” substituem as de Religião nos liceus; entra em vigor um novo regime de orientação para o clássico/técnico; na escola primária as crianças com necessidades educativas especiais ou dificuldades de aprendizagem vão passar a ser acompanhadas por equipas especializadas; e as regras mudaram para as bolsas de estudos, subsídios e cheques-serviço. Explicamos tudo nas nossas páginas dedicadas à rentrée escolar.
Se para muitos o regresso às aulas (já) não evoca nada, para muitos ainda mexe connosco, ou porque porque temos filhos em idade escolar e vivemos com eles a azáfama destes dias, ou porque recordamos o nosso próprio frenesim pós-férias de Verão em que, sendo criança ou jovem, sentíamos de forma tangível que uma nova fase da nossa vida estava prestes a começar.
A escola é e continuará a ser algo fundamental, porque é um tempo de aprendizagem, desenvolvimento intelectual, emocional e social único, são anos determinantes que ajudam a forjar a nossa personalidade e força de carácter, a construir o futuro adulto, nos ensinam a tornarmo-nos seres sociais, nos armam para um mercado de trabalho cada vez mais complicado e diverso, mas também nos preparam para a vida “tout court”.
Se é algo tão fundamental deveríamos todos ser iguais perante a escola. Infelizmente, ainda não é o caso. A escola pública luxemburguesa continua a perpetuar um ensino a várias velocidades – modular, técnico, clássico – consoante critérios abstrusos. Se o aluno for bom a francês, mas fraco a alemão, vai para o técnico; se for forte a alemão e mau a francês, pode ir para o clássico. O que é no mínimo bizarro considerando que o clássico exige o mesmo nível nessas duas línguas. Se não tiver nenhum dos níveis exigidos o aluno é “condenado” ao modular, que é suposto ser um ano de preparação para integrar depois o secundário, mas muitas vezes é aí que a criança abandona a escola.
Este erro de direccionamento (prefiro pensar que é um erro do que determinismo social, como numa certa Quinta dos Animais em que havia uns mais iguais do que outros!) acontece há décadas e vai mesmo piorar.
Até agora, pais e professores tomavam a decisão juntos. Com a nova forma de orientação escolar, que começa neste ano lectivo, caso não haja acordo, a decisão é tomada por uma comissão de orientação, de que não há recurso. Como é possível dar este poder aos professores quando se sabe que os docentes cometem mais erros de avaliação com alunos estrangeiros do que com os luxemburgueses quando decidem quem vai para o técnico ou para o clássico? Não sou eu que o afirmo, mas um estudo da Universidade do Luxemburgo, divulgado este ano.
Claro que há casos de sucesso, crianças estrangeiras que conseguem não só aceder mas distinguir-se no clássico, ou que seguem o técnico, frequentam a Universidade e chegam mesmo assim à sua profissão de sonho. Mas temos é que nos preocupar com os que não conseguem e cuja taxa ainda continua bastante elevada. Dos cerca de 40% de estrangeiros no ensino, apenas 18% chegam ao clássico, metade dos alunos que entram no clássico são luxemburgueses, apenas 11% são portugueses (“Bildungsbericht 2015”).
Os números têm mudado pouco nos últimos anos. Porque nada se faz. Na pasta da Educação têm-se sucedido nos últimos 25 anos pessoas incompetentes, incapazes de resolver o problema ou com a falta de coragem política para encarar o descontentamento do seu eleitorado caso alterassem algo ao “status quo”.
Veja-se a tempestade que se abateu sobre o actual ministro da Educação com o projecto da Escola Internacional de Differdange, que é apenas um tímido passo na criação de uma escola mais igualitária e que pela primeira vez integra a língua portuguesa no programa do ensino público.
Resta aos alunos que não querem seguir o ensino técnico luxemburguês “à força” inscrever-se numa escola na Bélgica ou em França. E assim o Luxemburgo vai perdendo capital humano. Como acontece há décadas.
Compare-se a escola luxemburguesa – em que o aluno tem de dominar o sacro-santo alemão ou parece condenado a uma vida fracassada – à “Ferme des Enfants”, uma escola na região da Ardèche, em França, criada por Sophie Bouquet-Rabhi em 1999. A mentora do projecto preconiza que o mais importante é “dar auto-confiança às crianças” para fazer deles bons alunos, que mais tarde se tornarão adultos realizados.
O paradigma é simples, pudessem entendê-lo todos os professores, orientadores, directores de escola e ministros que nos lêem.
José Luís Correia
in CONTACTO, 07/09/2016
quinta-feira, 8 de setembro de 2016
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