EDITORIAL POR JOSÉ LUÍS CORREIA - Os portugueses decidiram que depois de quatro anos de austeridade, PàF! A coligação PàF-Portugal à Frente venceu as legislativas, reconduzindo PSD e CDS no poder até 2019.
Muitos analistas políticos não entendem este voto. Muitos internautas vestiram os seus perfis de luto nas redes sociais quando foram divulgadas as primeiras projecções no domingo. Para muitos é a incompreensão, a surpresa, a desilusão. Como é que depois de tantas manifestações contra a austeridade, contra este executivo, criticado por cortar cegamente a torto e a direito nos ordenados, nas pensões, nos direitos e subsídios sociais, por empurrar meio milhão de portugueses para a emigração – uma sangria desde 2011 –, acusado de ser ’o pior Governo de sempre’, os portugueses voltam a escolher mais do mesmo?
Portugal passa a ser o único país da UE onde o Governo que pôs em prática a austeridade consegue o “tour de force” de ser reeleito, é o que se podia ler na imprensa europeia, na segunda-feira. Serão os portugueses masoquistas?, pergunta a Europa inteira.
Para mim, não foi surpresa. Também não vejo o voto dos portugueses como masoquismo, mas como uma escolha reflectida, a opção pela solução menos pior. Não disse que concordo, disse que é assim que entendo este resultado.
Para mim o pior mesmo é o desfasamento entre a opinião pública e o resultado das urnas. A opinião pública é o que achamos que a maior parte da sociedade pensa, opinião formada a partir do que se diz, ouve e lê na imprensa, nas redes sociais, dos comentários de jornalistas, politólogos e até de entrevistas de rua com anónimos, opinião essa que é veiculada por nós, os media. Mas os diferentes ângulos sob o qual essas mensagens são devolvidas ao público acabam também por influenciar essa mesma opinião. E o que foi que se viu e ouviu nos últimos quatro anos? Os protestos anti-Governo e anti-austeridade serem presença constante na imprensa e nos telejornais. Os media mostravam um país cansado, farto, exangue e exasperado contra Passos Coelho.
Por definição, notícia é o que acontece, e não o que não acontece, passe a expressão. Faltou, quiçá, olhar para o ângulo morto do país real. Muitos portugueses talvez tenham concordado com as “reformas” de Passos e não eram esses que estavam a ter tempo de antena, nem a ser ouvidos pelos media. Porventura, até foram preteridos a outros, porque ser a favor de um Governo mais ’troikista’ que a troika era mau para as audiências. Ou talvez porque simplesmente essa massa silenciosa não tinha nada a dizer. É conhecido: quem cala, consente.
Esta é uma leitura possível dos resultados de domingo. Mas há outras em que o culpado é António Costa. Costa é culpado não tanto pelo que disse e fez, mas pelo que não disse nem chegou a fazer. Costa chegou, viu e... PàF, estatelou-se! A onomatopeia escolhida como acrónimo para representar os partidos no poder nestas legislativas foi oportuna, porque soa a estalada, a que levou António Costa, mais dos eleitores do que propriamente do PàF. Costa não soube vencer, convencer nem apresentar-se como “a alternativa”. Não soube descolar-se de Sócrates, não disse como suavizaria a austeridade, não soube ser a opção nem a solução que os portugueses ansiavam. Na falta de melhor, os eleitores escolheram o que já conheciam: “Para pior, já basta assim”, deve ter sido o raciocínio geral (a tal opinião pública).
O que mostra que os eleitores não são burros nem masoquistas, mas percebem que há mais em comum entre PS e PSD do que entre PS e BE, e que existe até um consenso tácito entre PS e PSD/CDS em como Portugal vai ter que ser governado nos próximos anos: continuar os cortes, a austeridade, dobrar perante a troika, Bruxelas e a finança internacional. Se assim é, para quê eleger um Passos-bis, ou pior, um Sócrates-bis?
Muitos outros optaram pelo voto da contestação, sobretudo à esquerda. A esquerda cresceu no espectro parlamentar como nunca antes, com BE e CDU a conhecerem as maiores progressões de sempre. Até o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN, mais uma onomatopeia!) faz uma entrada histórica no Parlamento.
Muitos dos que votaram à esquerda defendem que o PS devia coligar-se com o BE e a CDU e não viabilizar o Governo. Seria histórico em Portugal uma solução que, se me permitem, apeliderei de “à luxemburguesa”, porque me lembra aquela protagonizada por Xavier Bettel, no Luxemburgo, em Outubro de 2013, quando coligou liberais, verdes e socialistas, partidos que na sua essência nada tinham em comum senão a vontade de tirar do poder o CSV e Juncker. “Não é tradição em Portugal”, dizem-me. Aqui também não era. Ainda hoje, muitos luxemburgueses chamam à manobra de Bettel um “golpe de Estado anti-democrático”.
“A esquerda unida não será vencida”, podia ler-se nas redes sociais, na segunda-feira. Era preciso que a esquerda estivesse de facto unida. A começar pelo PS a nível interno.
O que há agora é muitas perguntas: se Costa não se demitir (já disse que não o faria, mas também já se contradisse tantas vezes!), qual será a sua postura perante o Governo? Se for forçado internamente a demitir-se, quem lhe sucederá? O novo líder coligar-se-á com o BE e a CDU para inviabilizar o Governo PSD/CDS? Conseguirá um improvável bloco PS-BE-CDU governar o país? Quererá levar Portugal para um caminho já percorrido pelo Syriza, com o resultado que se conhece? Quais as consequências deste sufrágio nas presidenciais? Com o país maioritariamente pintado de laranja, Rebelo de Sousa é o preferido para Belém? E, Maria de Belém, sai reforçada por ser mais “segurista” do que “costista”? Em Janeiro, os eleitores vão querer um país com um equilíbrio de forças ou completamente laranja?
Por último, lamento que as Comunidades continuem a ser o parente pobre da democracia portuguesa. Apesar de mais de cinco milhões de portugueses viverem no estrangeiro, temos apenas direito a eleger quatro deputados em 230. Dez milhões de portugueses elegem 226 deputados, os outros cinco milhões elegem quatro! Não dá vontade de votar. Talvez por isso, em mais de cinco milhões, apenas 200 mil portugueses estejam inscritos nos círculos eleitorais dos consulados.
José Luís Correia
quarta-feira, 7 de outubro de 2015
Editorial no Jornal CONTACTO: "Os Portugueses não são masoquistas"
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