sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Lausanne

29.06.15

Chegamos ao hotel pour volta das 18h. O caminho foi rápido e sem stress. Mas com muito calor. Junho numa auto-estrada rumo ao sul, mercúrio perto dos 40, M. estica os pés descalços no tablier. A. dorme, brinca com os dois brinquedos que lhe comprámos para a viagem, zanga-se, atira-os fora, chora, fica rabugento, pede água, pede pão, bolachas, queixa-se do sol, paro o carro, instalo um protector com duas ventosas na janela para tapar o sol, quilómetros mais à frente ele continua a queixar-se, volto a parar, mas desta vez opto por prender uma toalha na janela do carro, como a minha mãe fazia nos anos 1970, por vezes os truques mais antigos são os melhores.

Luxemburgo, Metz, Estrasburgo, Basileia, Lausana. Para nós Basileia, Basel, Bâle significa fronteira, e uma teia emaranhada de auto-estradas, tunéis, nós rodoviários, vias de entrada e de saída, placas de direcção com todos os nomes das poucas cidades suíças que conhecemos, Berna, Genebra, Zurique, Montreux, Luzerna,..

Espalhamos as coisas pelo quarto, tomamos um duche frio, o corpo acorda da dormência das sete horas da posição sentada, entreabro a janela de sacada, espojamo-nos na cama de lençóis frescos.

Vou até à pequena varanda, onde M. fuma um cigarro reparador. Sento-me numa das duas cadeiras em metal velho e rabisco estas linhas num caderno tosco, para mais tarde transcrever para um blogue, que já nem eu leio. No quarto, A. brinca com um gancho de papel que diz "Ne pas deranger, svp!" de um lado e do outro "Nettoyez ma chambre, svp!". Torce e retorce o gancho, como o afinco de quem está a fazer uma coisa muito séria. O gancho não cede, é de papel plastificado. Mas A. não desiste.

Pelas 19h30 temos encontro combinado com R. e a mulher no restaurante do parque de campismo de Morges, ao lado de Lausana. Estamos cansados mas sem muito fome, pedimos ambos uma salada. Os velhotes pedem um gratinado de queijo e vinho tinto. Pesado. Têm apetite e estômago. Estimo a idade do R. nos 70 e tal, pergunto-lhe se tem filhos. Ri-se com uma gargalhada franca. Nasceu no início dos anos 1930, casou em 1952, tem três filhos, seis netos e não sei quantos bisnetos... Engulo em seco, enquanto ele devora o gratinado como se fosse uma nesga de pão.

Atravessou um dos piores séculos no melhor país do mundo, não sofreu guerras nem crises, foi ferroviário, viajou, trabalhou, amou, viveu, está há mais tempo na reforma que alguns de nós na vida. Eu olho-o com respeito e já alguma admiração. Como resolveu retribuir o bem que a vida lhe deu? No fim dos anos 1970 resolveu ajudar as crianças de um dos países mais pobres da Europa da então. Hoje, uma inteira geração deve-lhe o ter tido uma quase infância e adolescência normais, não ter passado frio ou fome, estar simplesmente viva.

Como comparar este grande homem, que apesar de tudo o que fez não ficará na História da Roménia, com o medíocre e cruel Ceaucescu. Dou-me conta que um ferroviário da classe média suiça com o pouco que fez, fez mais por muitas crianças romenas do que o líder máximo que prometeu ser o guia do seu povo, mas que só o agrilhoou e arruinou ainda mais, de Bucareste a Piatr Niamt, de Sibiu a Constança, para ele e a mulher poderem viver numa opulência nojenta, e enquanto as crianças do seu povo morriam à fome, ele e a sua puta cagavam em retretes banhadas a ouro.

O restaurante do parque de campismo é de um português de Bragança e a empregada fica surpreendida com o falarmos português. Há mais portugueses na Suíça do que no Luxemburgo, mas não estão tão concentrados, o que me faz concluir que não se fale abertamente a língua de Camões como no Grão-Ducado.

Anoiteceu depressa, nem demos pelo pôr-do-sol. Depois do jantar, os velhotes voltam para casa, moram em Tolochenaz, a poucos quilómetros dali. Nós regressamos ao hotel, mas não resistimos a fazer uma caminhada nocturna pelas margens do lago Léman. A. ainda está bem desperto e o passeio também lhe vai fazer bem a ele.

As lâmpadas dos barcos ao longe criam caminhos de luz na superfície do lago, a lua deixa-se ondular nas águas, o massiço majestuoso na outra margem recorta-se na escuridão. Uma tranquilidade apaziguadora. Já sentimos saudades deste lugar que acabámos de descobrir...



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