Está convocada para hoje (2 de Abril), uma manifestação frente ao Consulado de Portugal na cidade do Luxemburgo, para reivindicar mais funcionários e mais meios, de modo a este poder responder de forma mais adequada ao contínuo aumento da comunidade portuguesa no Luxemburgo.
Hoje somos 120 mil. Mas quando éramos 80 mil, no virar do século, a situação era igual, ou 60 mil nos anos 90, ou mesmo 30 mil nos anos 80.
Uma das únicas coisas que não mudou na comunidade portuguesa do Luxemburgo, e que me lembro, é o descontentamento com os serviços consulares.
Nos anos 70 e 80, eram vergonhosas as filas que se formavam diariamente, logo desde madrugada, na Allée Scheffer. Quando o Consulado se mudou para a rue du Fort Rheinsheim (no fim dos anos 80), as filas foram apenas deslocalizadas. E novamente, em 2007, quando o Consulado se mudou para a route de Longwy, as instalações melhoraram, mas os tempos de espera intermináveis voltam de quando em vez. Dependia por vezes de um(a) cônsul, que tentava inovar com este ou aquele sistema de atendimento diferente, ou dos funcionários que aumentavam (magramente) ou diminuiam (drasticamente) consoante o bem querer dos governos que se iam sucededendo na “metrópole”. Recorro propositadamente ao vocabulário salazarento, porque é assim que somos tratados por Lisboa, como uma longíqua colónia, como portugueses de segunda.
Como muito bem fez notar o conselheiro das Comunidades, Eduardo Dias, que convocou a manifestação de hoje, a população portuguesa representa, actualmente no Grão-Ducado, a de um concelho de dimensões médias em Portugal, como Setúbal, Leiria ou Barcelos. Quantos funcionários públicos têm esses concelhos? Setúbal, 1.400, Leiria e Barcelos, 700. E o nosso Consulado? Uma dezena e meia!!! Uma dezena e meia de funcionários para atender 120 mil portugueses?!!
Uma dezena e meia que não podem fazer milagres, que são mal pagos, que viram os seus salários reduzidos com as regras da austeridade impostas por Lisboa, outros que continuam lá, apesar de o Consulado estar na mais pura das ilegalidades ao não lhes conceder os aumentos salariais a que a lei laboral luxemburguesa lhes dá direito.A solução do consulado itinerante foi positiva (apesar dos custos acrescidos que envolve para o utente), mas também já mostrou o seu limite.
A secretaria de Estado das Comunidades desculpa-se com a “austeridade”, mas é apenas uma palavra nova para um conceito que aplica às comunidades desde sempre. Desde os anos 70, do século passado, que os funcionários são insuficientes no Consulado. Além disso, por muitos cortes que sejam impostos por Lisboa, será que não há verbas para uma comunidade que só em 2013 enviou remessas de dinheiro para Portugal no valor de quase 80 milhões de euros?
Esta desconsideração pelas comunidades não se nota apenas nos magros recursos atribuídos às embaixadas e aos consulados. Quando se sabe que os cinco milhões de emigrantes espalhados pelo Mundo são representados por apenas quatro (4!) deputados na Assembleia da República, está tudo dito.
Felizmente nem todos nos fazem sentir cidadãos de segunda. O que faz falta nas relações Governo-Comunidades não são só verbas, são também homens como aquele que desapareceu na sexta-feira, o Dr. Carlos Correia.
Destacado para o Luxemburgo em 2004, como adido social, viu-se “empurrado” a assumir a responsabilidade do Instituto Camões quando o Governo decidiu que já não havia dinheiro para um adido cultural, e exonerou o então director do IC, Luís Gaivão, em 2006. Lisboa nem sequer pagava (e ainda hoje não paga, quem o faz é o Governo luxemburguês) a renda do espaço onde se encontra o IC, mas argumentava que não havia mais dinheiro para promover a cultura junto dos portugueses do Luxemburgo. Tudo isto ainda antes dos anos de ”austeridade”.
Sem aumento de salário, sem meios nem recursos, Carlos Correia e a sua magra equipa, mantiveram o IC a funcionar, e com uma programação que não envergonhou Portugal.
Com o nosso jornal, Carlos Correia foi, como também era para todos os que o conheceram, acessível, disponível, simpático, amistoso no trato, sem tomar ofensa nem agravo mesmo quando criticávamos algo que emanasse do seu próprio serviço. Ao contrário de outros diplomatas que com tudo se melindram e que têm a epiderme sensível à menor crítica. Tivemos até uma diplomata que queria fazer uma “leitura prévia” das cartas à redacção que viéssemos a receber e que falassem do Consulado. Lembrei-lhe que a época do lápis azul tinha acabado, e nunca mais me convidou para almoçar.
Hoje, Joaquim Prazeres (e equipa), responsável pela Coordenação do Ensino, continua o trabalho de Carlos Correia à frente do IC, da mesma forma e do mesmo modo: sem meios nem recursos, mas corajoso e voluntarioso. São homens destes que salvam a imagem de Portugal e da nossa comunidade.
Só mais um exemplo: um outro adido, social e cultural, que a comunidade quis “fazer” cônsul (Rui Dias Costa). Mostrou sempre disponibilidade para as associações, e como respondia aos convites que estas lhe dirigiam para esta ou aquela festa, toda a gente pensava que ele era o cônsul e não o outro. O cônsul (o legítimo), diziam as rábulas radiofónicas que sobre se ele se faziam, não ia em ranchos nem charolas, “não bebia em copos de plástico” e ”gostava de cofiar o bigode novecentista”. “Ele não se mistura com portugueses de segunda”, dizia-se na comunidade.
Os portugueses do Luxemburgo e as comunidades em geral só pedem isso, ser tratados como cidadãos. Nem de primeira, nem de segunda. Cidadãos, ponto.
E isso passa por ter serviços consulares eficientes e adequados à comunidade e por não ter de esperar horas, dias, até que alguém atenda um telefone para poder agendar uma marcação para renovar o passaporte ou o BI.
José Luís Correia
(in CONTACTO, de 02/04/2014)
quarta-feira, 2 de abril de 2014
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