sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Editorial do jornal CONTACTO: Os heróis e os vilões assinalados


Portugal e os portugueses, que julgávamos tornados anímicos pelas sucessivas perfusões intraven(en)osas da troika , tiveram um sobressalto ressacado quando um velho demónio assomou à porta, gracejando como um guinhol justiceiro. Foi aplaudido, foi vaiado, mas deu umas quantas cacetadas a este e àquele, tanto à esquerda como à direita. A diferença entre esta fantochada "actuação" (política) e os teatrinhos de robertos é que esta não me deu vontade nenhuma de rir.

Quer se goste dele ou se execre o homem, a verdade é que o regresso de José Sócrates criou uma das ondas mediáticas com mais impacto dos últimos tempos na sociedade portuguesa.

Primeiro, com o rol das petições contra o convite que lhe foi dirigido pela RTP para ser comentador do canal público. Tantos signatários chegariam para que o assunto fosse debatido várias vezes no Parlamento (recorde-se que o mínimo requerido para que um abaixo-assinado chegue à Assembleia da República é de quatro mil assinaturas). Depois, com a entrevista que deu a Paulo Ferreira e Vítor Gonçalves, a 26 de Março, na RTP, e que mereceu reacções e comentários de ponta a ponta do espectro mediático, político e público.

É que toda a gente tem opinião sobre José Sócrates. Porque este é um "vilão" que nos deixou marcas.

Ser contra a presença de José Sócrates na RTP não é ser contra a liberdade de expressão, é reclamar o respeito pelos portugueses que pagam a taxa de televisão ao Estado e têm o direito de contestar a programação.

Ser contra José Sócrates na RTP é não querer ver nem pintado alguém que fez promessas eleitorais em 2005 e depois fez exactamente o contrário, cometeu um despesismo público leviano, que não abrandou com a crise económica e financeira, criou uma série de instituições inanes, outras fictícias, fez negociatas chorudas em proveito próprio, dos seus próximos e em detrimento do país, e foi também quem chamou a troika (é bom pôr os pontos nos iis), quando já era tarde demais. Adiou por mais de um ano a decisão, o que levou a que as medidas impostas sejam agora difíceis de amenizar no tempo. Quando finalmente chamou a ajuda internacional , lavou daí as mãos e deu de frosques...

Ser contra José Sócrates na RTP é simplesmente ter o direito de mandar calar quem se exilou em mordomias parisienses quando Portugal agonizava, debicando croissants no 16° arrondissement , autista à fome e ao desespero de muitos portugueses.

Nesse momento José Sócrates não se exprimiu, porque haveríamos de o querer ouvir agora? Que ninguém se (des)iluda, este come-back é por puro oportunismo político.

José Sócrates volta à política e o povo aguarda a palavra messiânica dos seus lábios. Mais uma vez, como em 2005, muitos vão erigi-lo em D. Sebastião. Aos que já já me respondem que isso não acontecerá, recordo que José Sócrates não é menos odiado do que Cavaco Silva foi nos dez anos que passou no Governo e, no entanto, os portugueses elegeram o professor algarvio duas vezes (duas!) para o cargo máximo da nação. Agora parecem surpreendidos por se revelar tão mau presidente (?).

José Sócrates só regressa porque o povo é mesmo assim, tem a memória curta e precisa de heróis, dons sebastiões montados em brancos alazões, um deus ex-machina que intervenha, o salve e lhe dê esperança.

Mas felizmente, nem todo os portugueses são assim. Há os que não esperam, agem. Há os que não aguardam, ousam, tentam, emigram. Enquanto uns vociferam e vituperam desde o Restelo, outros enfrentam o oceano. Não por simples aventureirismo, mas por necessidade e pragmatismo na acção, esse ímpeto que sempre foi a verdadeira alma dos portugueses ao espalharem-se mundo fora. Foi isso que nos fez grandes.

Cessem dos D. Sebastiões, do mito e da apatia que enaltecem, o futuro está na acção, o futuro está na nossa mão.

José Luís Correia

in CONTACTO, 03/04/2013

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