sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
-
cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

sábado, 30 de junho de 2012

30 de Junho - Último dia de férias

Aeroporto de Faro.

Daqui a quatro horas faço 39 anos.  É o meu último dia de férias. Estive por aqui duas semanas e meia para meter distância entre mim e o Luxemburgo, entre mim e a realidade. Consegui?

O que levo daqui? Dez quilos de livros, comprei alguns porque precisava, uns porque os vou ler, outros porque os quero ter, outros ainda por obsessão, outros mais por devaneio, e outros porque sim. Comprei música: Miguel Araújo e três compilações de hip-hop em português, um relógio Rolex Oyster Daytona. Lindíssimo. E eu vaidoso. E com vergonha desta vaidade bacoca e barata, que não se parece comigo. Mas fez-me bem fazer-me bem. Por uma vez. Foi a minha prenda de anos a mim mesmo. Acho que posso, acho que mereço.

E mais que isso? Apenas muitos dias de solidão. Sol e dão. Muitos dias erráticos, vadiando, vagueando, deambulando, deslizando por sobre o tecido grosso da realidade. Tentando escapar para a frente. Muitas tentativas de engate planeadas, uma ínfima percentagem realmente levada a cabo no terreno, nenhuma dessas concluindo-se positivamente com um novo número de telefone. Acho que não estava para aí virado... ando enferrujado. Ou triste. Ou cansado da vida.

Apenas dois ou três encontros interessantes.

Do terceiro dia de férias, fica-me a recordação carinhosa de um serão muito agradável com a Tânia, uma amiga actriz, menina delicada e sensível, olhar expressivo e azul, cujo coração não estava disponível para as minhas serenatas e seduções e o corpo para os meus ardores e leviandades. Ficou uma boa amiga? O futuro o dirá...

A meio das férias, num dos passeios por Vilamoura minglei numa festa onde entrei sem ser convidado, era um happening aberto, com gente gira, e tive uma conversa charmosa com a Mónica. Uma menina muito doce, muito bem apessoada, riso de criança, rosto lindo, muito expressivo, olhos calorosos, vestido de cocktail très bcbg (bon chic bon genre), "fui eu que desenhei", um sotaque giríssimo de um país que não descortinei, parecia um daqueles filmes em que o protagonista cruza por acaso uma bela forasteira, mas que afinal é uma espia e que tem como missão seduzi-lo para lhe extorquir informações. Naquela noite eu devia ter envergado o meu fato James Bond. Mas furtei-me à festa demasiado cedo e sem o número de telefone da bela desconhecida...

Ontem, penúltimo dia das férias, voltei a Vilamoura e ofereci-me a mim mesmo um jantar num dos meus restaurantes preferidos da marina, o Akvavit. Gosto porque tem uma esplanada sobre a água, com vista para toda a marina, mesas largas, cadeiras resistentes e confortáveis em rede, música lounge agradável, pessoal esmerado e atencioso. Encomendei tostas com doce e foie gras, como entrada; folhado de espinafres como prato principal; regado por duas imperiais. E um expresso, que a noite ainda era uma criança e eu estava com esperança de rever a Mata Hari do outro dia ;-) Mas foi debalde que a procurei com os olhos no lugar onde nos tínhamos conhecido. Não quis o destino...

Dei uma volta, passeando o olhar pelos passantes, transeuntes, turistas e emigrantes. Os emigrantes reconhecem-se pelos calções com logos dos subúrbios parisienses e t-shirt griffé. As inglesas reconhecem-se pela sua toilette, vestido comprido, alguns de cores garridas. Saem à noite em Vilamoura como se fossem a uma festa em Buckingham Palace, mas vão, no máximo, ao Black Jack, a discoteca do Casino. O meu preferido: o vestido-kimono, muito sensual, negro, com flores de cerejeira e decote plongeant, abrindo-se generoso em flor... Ah, mas aquela não era inglesa, era sueca ou escandinava, percebo pela sonoridade da língua. Volto-me para trás à sua passagem e aprecio de longe as curvas perfeitas que a seda japonesa lhe desenha. Isto é como entrar numa pastelaria - para utilizar uma bela metáfora gulosa do "poeta" Joey, da série "Friends" - e não poder provar com o dedo os bolinhos com creme, ou os com chantilly, ou os que têm recheio e poder fazer saltar a cereja do topo.

Esta gulodice é perigosa. Ando demasiado esfomeado e vê-se. Vou com muita sede ao pote e afugento-as.

Última tentativa de conquista com uma eslava no Irish Cabin Pub. Tem olhos doces e um rabo de danar a alma, mas também aqui embrulho o meu discurso de engate no bolso; sirvo um sorriso social que ela me devolve, deixo gorjeta como se isso fosse a minha e a sua única consolação e desejo-lhe boa noite. Regresso sozinho a casa. The story of my life...

A tentativa de fuga para a frente não passou de uma tentativa de evasão falhada. Continuo agrilhoado no meu presente. Os brasileiros têm uma boa expressão para isto: "Cair na real!", uma expressão bem mais forte do que o inglês "back to reality!", porque quando se voa fora dela, o regresso só pode ser uma queda, um trambolhão, um deslizar em queda livre, uma colisão. E depois fico ali eu com os passarinhos parvos e as estrelinhas e os outros gatafunhos a girarem-me à roda da cabeça, tentando retomar os sentidos...

Sem comentários: