Um dos mais prestigiados críticos literários da actualidade, Harold Bloom assina um artigo na edição de 23 de Fevereiro da The New York Review of Books dedicado a José Saramago.
Intitulado “O grande comediante revisita a Bíblia”, o artigo do conhecido crítico literário norte-americano, que também é professor de Humanidades na Universidade de Yale, e de Inglês na Universidade de Nova Iorque, debruça-se sobre a edição americana de "Caim" (editado em Portugal em 2009; editado nos EUA em Outubro de 2011), a última obra que Saramago publicou em vida (morreu em Junho de 2010).
Bloom fala como conheceu Saramago, no dia em que o crítico literário se deslocou a Portugal para ser distinguido pela Universidade de Coimbra, e como os dois travaram um "conhecimento caloroso", mas também fala de um "desacordo exegético" que os opôs devido a "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" (1991).
Bloom, que apelida Saramago de "estalinista irredutível", considera que nesse seu livro o português nem se dá conta que retrata "um Deus que tem muitas afinidades com o tirano georgiano".
Para Bloom, “Caim” é um epílogo deliberado e burlesco ao “Evangelho”. Mas "falta-lhe mais humor" nesta obra, escrita quase duas décadas depois do "Evangelho".
"Como admirador de há décadas de Saramago, não quero depreciar esta ficção final. Prefiro considerá-la como algo que me ajuda a apreciar as suas concretizações ascéticas. O que corre mal em 'Caim' é que o autor é demasiado tendencioso e nos quer convencer, impôr um desígnio. A necessidade que [Saramago] tinha de lutar contra o fascismo e a Igreja sempre ameaçaram distraí-lo da sua verdadeira genialidade de contador de histórias cómicas. O Evangelho é assustadoramente cómico, Caim apenas faz sorrir."
Bloom faz uma justaposição entre o final de "Caim" e o de um outro livro do escritor, "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (1984). “Os mundos de Pessoa e Reis são tão diferentes como o são os de Caim e de Deus”, resume Bloom. E depois compara com o final de “O Evangelho Segundo Jesus Cristo".
"A dignidade ascética e o pathos trágico que podemos encontrar [no Evangelho] são qualidades que estão ausentes em Caim, do príncipio até ao fim do livro”, lamenta.
Para Bloom, o leitor que quiser encontrar o Saramago genial vai ter que procurá-lo em "História do Cerco de Lisboa" (1989) ou em "Jangada de Pedra" (1986), não no seu livro final. "'Caim' foi um erro, mas que não deve macular o nosso sentimento de uma partida gloriosa [de Saramago]", conclui.
Saramago, Calvino, Garcia Márquez e Twain
Bloom considera que Saramago era acima de tudo um "romancista cómico" e que era "admirável" nâo só essa sua "tenacidade cómica", como "a forma como este queria fazer funcionar os seus textos de forma nitzschiana".
Bloom compara Saramago a Italo Calvino, Gabriel Garcia Márquez e Mark Twain. "Twain teria gostado de Saramago, ambos eram anticlericais (...) e sabiam retratar a ferocidade fundamental da natureza humana e da sociedade".
"Cain", traduzido por Margaret Jull Costa, saiu nos Estados Unidos com a chancela da Houghton Mifflin Hartcourt (159 páginas) e custa 24 dólares.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário