sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 15 de março de 2012

Harold Bloom arrasa "Caim" de José Saramago

Um dos mais prestigiados críticos literários da actualidade, Harold Bloom assina um artigo na edição de 23 de Fevereiro da The New York Review of Books dedicado a José Saramago.

Intitulado “O grande comediante revisita a Bíblia”, o artigo do conhecido crítico literário norte-americano, que também é professor de Humanidades na Universidade de Yale, e de Inglês na Universidade de Nova Iorque, debruça-se sobre a edição americana de "Caim" (editado em Portugal em 2009; editado nos EUA em Outubro de 2011), a última obra que Saramago publicou em vida (morreu em Junho de 2010).

Bloom fala como conheceu Saramago, no dia em que o crítico literário se deslocou a Portugal para ser distinguido pela Universidade de Coimbra, e como os dois travaram um "conhecimento caloroso", mas também fala de um "desacordo exegético" que os opôs devido a "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" (1991). Bloom, que apelida Saramago de "estalinista irredutível", considera que nesse seu livro o português nem se dá conta que retrata "um Deus que tem muitas afinidades com o tirano georgiano".

Para Bloom, “Caim” é um epílogo deliberado e burlesco ao “Evangelho”. Mas "falta-lhe mais humor" nesta obra, escrita quase duas décadas depois do "Evangelho".

"Como admirador de há décadas de Saramago, não quero depreciar esta ficção final. Prefiro considerá-la como algo que me ajuda a apreciar as suas concretizações ascéticas. O que corre mal em 'Caim' é que o autor é demasiado tendencioso e nos quer convencer, impôr um desígnio. A necessidade que [Saramago] tinha de lutar contra o fascismo e a Igreja sempre ameaçaram distraí-lo da sua verdadeira genialidade de contador de histórias cómicas. O Evangelho é assustadoramente cómico, Caim apenas faz sorrir."

Bloom faz uma justaposição entre o final de "Caim" e o de um outro livro do escritor, "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (1984). “Os mundos de Pessoa e Reis são tão diferentes como o são os de Caim e de Deus”, resume Bloom. E depois compara com o final de “O Evangelho Segundo Jesus Cristo".

"A dignidade ascética e o pathos trágico que podemos encontrar [no Evangelho] são qualidades que estão ausentes em Caim, do príncipio até ao fim do livro”, lamenta.

Para Bloom, o leitor que quiser encontrar o Saramago genial vai ter que procurá-lo em "História do Cerco de Lisboa" (1989) ou em "Jangada de Pedra" (1986), não no seu livro final. "'Caim' foi um erro, mas que não deve macular o nosso sentimento de uma partida gloriosa [de Saramago]", conclui.

Saramago, Calvino, Garcia Márquez e Twain  

Bloom considera que Saramago era acima de tudo um "romancista cómico" e que era "admirável" nâo só essa sua "tenacidade cómica", como "a forma como este queria fazer funcionar os seus textos de forma nitzschiana".

Bloom compara Saramago a Italo Calvino, Gabriel Garcia Márquez e Mark Twain. "Twain teria gostado de Saramago, ambos eram anticlericais (...) e sabiam retratar a ferocidade fundamental da natureza humana e da sociedade".

"Cain", traduzido por Margaret Jull Costa, saiu nos Estados Unidos com a chancela da Houghton Mifflin Hartcourt (159 páginas) e custa 24 dólares.

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