Quando hoje criticamos o euro pela subida dos preços, um aumento atestado por todos os estudos feitos sobre o assunto, esquecemos o positivo que a moeda única trouxe.
Nunca mais tivemos que transportar meia-dúzia de porta-moedas com diferentes divisas ao viajar pela Europa, nem nunca mais fomos « roubados » no câmbio. Câmbio, aí está uma palavra que não digo há muito. Fazer parte da união económica e monetária protegeu-nos também da onda de choque da crise financeira de 2008, que chegou até nós, sim, mas muito mais tarde e já menos devastadora. Pertencermos ao euro permitiu também manter as taxas de juro baixas até 2010 e 2011, em certos países da zona euro, e isto apesar da crise.
Não esqueçamos também o prestígio que a nossa moeda comum adquiriu nos mercados internacionais, graças ao seu equilíbrio e ao peso político da Europa. Hoje o euro está ligado a 42 países do mundo : os 17 países da zona euro ; os seis estados europeus não-comunitários que adoptaram o euro como moeda principal ou segunda moeda nacional ; e 19 países africanos (entre eles, Cabo Verde) e do Pacífico, que ligaram a sua moeda ao euro. O sucesso do euro fez até com que seis países do Golfo Pérsico se pusessem a pensar em criar uma moeda comum, que os libertasse do « dólar ».
Mas, passada a década de e(o)uro dos anos dois mil, a nossa moeda enfrenta agora, no início dos anos dez, uma grande crise, a « Grande Recessão », como lhe chamam já alguns economistas. A forma como vai ser resolvida esta crise, nos próximos meses e anos, vai reforçar ou fragilizar irremediavelmente a UE. O presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, bem o clama : « A crise não é do euro, é de países como Portugal e Grécia », e é para esse problema que é preciso encontrar uma solução.
Há os que são apologistas da « solução islandesa ». A Islândia, que viveu a falência do Estado em 2008, conseguiu reerguer-se, após três anos de rigor. Num momento em que a UE enfrenta 2012 ainda em recessão, a pequena ilha aponta para um crescimento económico de 3%. Qual é o milagre de Reykjavik ? O Estado islandês decidiu não salvar os bancos em crise, exactamente o contrário do que fez a UE. Melhor, o Estado islandês decidiu não salvar os accionistas, mas proteger os clientes. Mas fazer isso a nível europeu teria um efeito de contágio entre bancos, o que só contribuiria para alastrar ainda mais a crise.
Para escapar à crise da zona euro, há países que já equacionaram abandonar o euro e voltar às suas antigas moedas fortes nacionais, para se protegerem das turbulências dentro da eurozona . Outros falam em expulsar do grupo os maus alunos, como Atenas e Lisboa, e os que se seguirem. É a proposta Merkozy. Economistas como Barry Eichengreen (“The Breakup of the Euro Area », 2007), da Universidade de Berkeley, ou Michel Dévoluy (« L’euro est-il un échec ? », 2011), da Universidade de Estrasburgo, imaginaram o que poderia suceder se isso viesse a acontecer e ambos afirmam que a saída forçada do euro teria consequências nefastas para um estado-membro, mas também para a UE.
Foto:Anouk Antony/LW |
Quer seja a Grécia, Portugal ou outro país, regressar, neste contexto de crise, à moeda nacional significaria forçosamente desvalorizar a divisa, e viver-se-ia uma corrida desenfreada aos bancos por parte dos clientes, que não quereriam perder poder de compra. O que poderia conduzir à fragilização ou mesmo à falência de alguns bancos. Acrescente-se a isso uma forte inflação, fuga dos investidores, aumento das taxas de juro. Se a dívida fosse reestruturada (como fez a Argentina em 2002), por forma a que 1 euro passasse a valer, por exemplo, 20 escudos, em vez de 200 (fosse isso sequer possível !), a medida poderia parecer benéfica para o país, num primeiro tempo, porque diminuiria artificialmente a dívida, mas custar-lhe-ia a credibilidade junto dos mercados financeiros, e a economia sofreria uma forte travagem. O regresso à divisa nacional custaria também extremamente caro em: fabrico da nova moeda fiduciária, a sua colocação em circulação, reconversão de todo o sistema monetário e financeiro, a redefinição de uma política monetária nacional. Recordemos o tempo e o dinheiro que custou a introdução do euro. A conversão de todos os preços e salários, só por si, poderia levar a tensões sociais ainda mais graves do que as que o país enfrenta hoje. E o élan nacional pretendido não aconteceria.
Nas relações exteriores, entre o estado « expulso » da zona euro e os que o teriam deixado à sua sorte, poderiam mesmo nascer tensões e novos nacionalismos, desaparecidos desde o séc. XIX e XX. O país expulso poderia mostrar-se cada vez mais reticente também em aceitar o controlo da UE e , in fine, poderia até decidir sair da UE. É verdade que hoje há estados-membros dentro da UE e fora do euro, mas são-no por opção e sem contenciosos pelo meio. A saída forçada ou voluntária do euro seria profundamente negativa para a imagem da moeda única e da UE. A força e o prestígio da UE e da sua divisa vêm-lhe sobretudo da imagem de equilíbrio económico, geopolítico e de ajuda mútua que os seus estados-membros devem uns aos outros.
Para Dévoluy pode vir a ser decidida uma divisão da Eurozona em dois grupos. Por um lado, estados que optassem por uma governância económica comum e mais federalismo. Por outro, estados que regressassem às suas moedas nacionais. Mas esta Europa a duas velocidades, decidida em época de crise, poderia ser vista como a tentativa de salvar os bons alunos e de ostracizar os maus, o que descredibilizaria a UE.
Dévoluy considera que uma das soluções à crise do euro é mais federalismo, mas isso implica um novo paradigma político para a UE, mais do que propriamente económico. Dévoluy preconiza a troca da doutrina néoliberal da UE por uma « ordoliberal » , i.e., uma doutrina económica baseada na estabilidade dos preços e na « virtude orçamental ». Ou seja, liberal, mas com ordem, com regras, que evitem as derivas dos mercados. Foi esta « terceira via », situada a meio caminho entre o socialismo e o capitalismo, que permitiu “o milagre económico alemão » após a Segunda Guerra Mundial.
Mas a actual posição do Reino Unido, que bloqueou a possibilidade de uma maior governância económica comum, parece ter deixado o euro num impasse.
Tanto Eichengreen como Dévoluy alertam: é preciso salvar o euro, porque o seu fim provocaria a maior de todas as crises, e até conduzir ao fim da UE.
José Luís Correia
in CONTACTO, 04/01/2012
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