Um manto alvo cobre generosamente Rodange, e os moradores desbastaram a neve do chão criando grandes montes sujos de branco e negro entre o passeio e a estrada. Avisto a escola ao longe, mas estou feliz por estar de férias, e imagino que aqueles montes são os Himalaias gélidos e eu um intrépido explorador. Subo ao tecto do mundo e avisto o fundo da rua, onde moro, e calculo que a jornada vai demorar pelos menos mais algumas semanas. Escorrego numa ravina traiçoeira abaixo e a luta pela sobrevivência começa. Chego a casa sujo e molhado, com o nariz empendernido e vermelho, com medo da tareia que adivinho. Mas assim que entro em casa paira um agradável odor a filhozes, a leite quente com noz moscada.
Quando era criança, a época natalícia em minha casa começava muitas semanas antes da data festiva. A minha mãe cozinhava dias inteiros para fazer filhoses e outros doces. Fazia travessas e travessas. Dava para partilhar com os vizinhos, com os primos e cheguei até a levar para a escola, num dia em que tivemos que apresentar as tradições natalícias dos países de onde éramos originários. Os meus colegas de turma luxemburgueses faziam caretas ao pronunciarem a palavra “fi-lô-séch”, mas só à primeira, porque depois de provarem a pronúncia vinha-lhes com mais naturalidade.
Mais tarde, descobri que essas nuvens retorcidas, estaladiças e generosamente polvilhadas de açúcar em pó, que no Alentejo de onde a minha mãe é originária, se chamam filhoses, têm noutras terras portuguesas o nome de coscorõese, e podem ter as mais variadas formas e ingredientes.
Eu gostava de ver a minha mãe a cozinhar longas horas. Em casa, durante semanas pairavam aromas adocicados, que tornavam o Inverno luxemburguês lá fora menos frio.
Na noite da consoada, a casa enchia-se de família e amigos, risos e conversas soltas. Havia lombo assado e batatas no forno, sonhos, coscorões, Dom Rodrigos e pastéis de batata doce algarvios, e o meu pai servia o seu melhor Medronho, trazido secretamente no Verão anterior, escondido no fundo falso de uma mala de cartão para escapar aos agentes das alfândegas.
in "Diário Incidental"
Weimeriskirch, 24.12.2011
(foto: JLC)
Quando era criança, a época natalícia em minha casa começava muitas semanas antes da data festiva. A minha mãe cozinhava dias inteiros para fazer filhoses e outros doces. Fazia travessas e travessas. Dava para partilhar com os vizinhos, com os primos e cheguei até a levar para a escola, num dia em que tivemos que apresentar as tradições natalícias dos países de onde éramos originários. Os meus colegas de turma luxemburgueses faziam caretas ao pronunciarem a palavra “fi-lô-séch”, mas só à primeira, porque depois de provarem a pronúncia vinha-lhes com mais naturalidade.
Mais tarde, descobri que essas nuvens retorcidas, estaladiças e generosamente polvilhadas de açúcar em pó, que no Alentejo de onde a minha mãe é originária, se chamam filhoses, têm noutras terras portuguesas o nome de coscorõese, e podem ter as mais variadas formas e ingredientes.
Eu gostava de ver a minha mãe a cozinhar longas horas. Em casa, durante semanas pairavam aromas adocicados, que tornavam o Inverno luxemburguês lá fora menos frio.
Na noite da consoada, a casa enchia-se de família e amigos, risos e conversas soltas. Havia lombo assado e batatas no forno, sonhos, coscorões, Dom Rodrigos e pastéis de batata doce algarvios, e o meu pai servia o seu melhor Medronho, trazido secretamente no Verão anterior, escondido no fundo falso de uma mala de cartão para escapar aos agentes das alfândegas.
in "Diário Incidental"
Weimeriskirch, 24.12.2011
(foto: JLC)
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