sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

domingo, 4 de julho de 2010

Cadernos de viagem (volume... não sei quantos)

21 de Junho. Chegamos ao Porto. Depois de pôr o sono em dia, almoçamos, bife panados e arroz, pescada, e vamos até à Foz, para ajudar à digestão. Descemos as ruas de Matosinhos por ali abaixo até ao mar, tentando adivinhar que pequeno solar em ruínas restauraremos um dia, passeamos pelo fantástico paredão, está um solzinho radiante, alguns casais namoram mão na mão, outros joggam em calções curtos e t-shirts na mão, os ombros musculados e salientes, a praia polvilhada já de vereaneantes vizinhos, na praça da anémona um ecrã gigante debita publicidades da silly season, assentamos numa esplanada do edificio transparente, para bebericar freezes de limão e sangria, meninas pré-púberas desfilam o rabo bronzeado, o umbigo recente e os seios nascentes sob o fino biquini provocando os mânfios garanhões agarrados ao skate e à coca-cola, uma triste e prematura feira de vaidades que não augura nada de bom para a geração que se nos segue.

22 de Junho. Primeira visita à Fnac. Compro o Auto-Retrato do Escritor, de Murakami, os dois volumes do Caderno de Saramago, e Que Farei com Este Livro? Leio algures que em três dias a procura de livros de Saramago disparou 846 %. Do que já li, confesso que não gostei de tudo. É bem verdade que preferia apoiar uma candidatura de Lobo Antunes do que de Saramago ao Nobel, porque o considero um autor mais completo e inteiro da língua e como escritor. Mas agora estou curioso em conhecer ainda mais Saramago e gostava de juntar a obra completa do único Nobel da Literatura da língua portuguesa. Durante a noite sonho que o prémio é entregue em 2043 a valter hugo mãe. Nesse instante, dentro do sonho, sinto-me culpado de não ter ainda acabado A Máquina de Fazer Espanhóis que comecei a ler na sexta-feira e por, volvidos mais de 30 anos, não ter ainda passado da página 87.

23 de Junho,véspera de São João. Adianto a leitura, folheio os jornais da manhã, os velhos do restelo anunciam o fim da democracia, o fim do Estado, para melhor imporem o federalismo e o que virá a seguir : o hipercapitalismo, como augurado por Attali, as empresas acima dos Estados. É a única saída que estes vates vislumbram para sair do buraco para o qual nos arrastaram os banqueiros de casino.

24 de Junho. Aproveitamos as ruas vazias de cidade fantasma com que o Porto se veste em cada manhã seguinte ao São João e rumamos a sul pela A1, bifurcamos pela A13. Saímos em Grândola, fazemos umas fotos da praxe diante da pauta mural do 25 de Abril e almoçamos nas Minas do Lousal. Acolhe-nos um quadro familiar, antigas instalações mineiras, despojos ferrugentos de outros tempos, transformados em lojas de artesanto, centro de ciências e um restaurante, o Armazém Central. Na mesa, queijo de ovelha, azeitonas marinadas, pão alentejano, frango à mineiro, um carioca de limão e um café. Atendimento esmerado e simpático. A tarde vai ser dura depois de tudo o que comemos.

Trocamos a aridez da A2 por um desvio até à costa vicentina. Pelas estradas estreitas abrimos caminho até Santiago do Cacém, descemos Sines e viramos à esquerda para Porto Covo. Esta vista de falésias e rochedos cortando o mar em postas de espuma e água deslumbra-nos. É uma costa lindíssima, que espero não encherem de mamarrachos como fizeram no Algarve. Mais fotos para o álbum de viagens. Em vez de arrepiar caminho, descemos até Vila Nova de Milfontes. Comemos um gelado na praia das Furnas, na margem sul da foz do rio Mira. Na esplanada do restaurante àquela hora da sesta, há um doce encanto dolente no ar de nada fazer, até a maresia se espreguiça nas dunas, somos apenas pouco mais que uma mão cheia de turistas incidentais que ali vieram aportar: um casal de jovens espanhóis joga gamão, enquanto ela fuma um charrinho que naquele fim do mundo providencial e paradisíaco todos nós confundimos com tabaco de enrolar e um casal de reformados almoça lagosta e marisco, a tarde e más horas, como deve ser, longe das horas ditadas e urbanas.
Atravessamos Odemira, a serra algarvia, aqueles penedos de mata desolados, quilómetros e quilómetros de uma estrada veredada por eucaliptos e pinheiros, chegamos a Aljezur e Bensafrim. Após quatro horas de transviagem, retomamos a auto-estrada, pela Via do Infante, que nos leva até Faro em vinte minutos.

25 de Junho. Sexta-feira, manhã cinzenta, primeiro dia de férias no algarve. Chuvisca. Passeio em Faro e compras para organizar os mantimentos necessários para alguns dias de merecidas férias algarvias.

26 de Junho. Almoço no Izzy's no Garrão. Cheesburger e bife com arroz angolano. Esplanada fantástica para o mar, sítio calmo em Junho, é o nosso poiso habitual nas férias. Primeiro dia de praia. O único casal português e os dois filhos fazem mais banzé que todos os ingleses e alemães juntos. Termino a peça "Nada de Dois" de Pedro Mexia e regresso "àquela máquinaaa", de valter hugo mãe.

20h30. Jantar na Associação Naval de Vila Real de Santo António com a Guida Domingos, que está de esperanças, e o namorado, o João Carlos. É o seu primeiro filho. Metemos a conversa de oito anos em dia. Recordamos os velhos tempos da Tomás Cabreira. Ela fala-me do meu velho Opel Kadett verde-tropa, o primeiro carro que tive, a soluçar num dia em que decidimos, com a Susana, ir até à praia, tinha eu oito dias de carta. Rimos um bom bocado. O restaurante restaurado ficou sem a esplanada, explicam-me. Mas agora tem janelas enormes que dão directamente sobre as águas douradas do Guadiana. Na linha do horizonte, Ayamonte repousa espanhola na luz finda da tarde. Arroz de marisco, a sapateira não está muito fresca, mas o vinho é bom.

27 de Junho. Hoje preferimos os bancos de jardim no Izzy's à praia. Música ambiente, bossanova e jazz. Lemos cada um o nosso livro e relaxamos à sombra das palmeiras na brisa refrescante que torna a tarde suportável. O mercúrio subiu até aos 35°C. O mar de jade enche os olhos. Conheço poucos prazeres tão simples como este de ler um bom livro frente ao mar. O pano do parasol chicoteia o vento e marca o ritmo da tarde.
É verdade que só se ouve falar inglês, mas isso não nos incomoda. As inglesas adolescentes passeiam os corpinhos escaldados atirando os cabelos loiros para trás como se a praia fosse o passeio da fama. Os rapazes portugueses, quase da mesma idade, mais adiante na área não concessionada, atiram-lhes olhares sedutores, mas entre eles pontuam-nas impiedosamente de zero a dez. "Esta nem vale cinco, nem mamas tem ainda..." e "ih, olha a mania daquela". E depois riem-se às golfadas.
As mães britânicas, muito brancas, sardentas ou loiras e trintonas (ou esforçando-se por o parecer) sorvem rosé ou vinho branco na esplanada do Izzy's, debicam camarões enquanto tagarelam alegremente. Vestem camisas longas transparentes ou translúcidas sob as quais ostentam biquinis cor-de rosa choque ou verde fluor. Óculos de sol gigantes, à seventies. Os maridos vestem calcões stylish, pólos azuis e brancos, com logos de reptéis e afins.

Descemos até à praia, alugamos umas espreguiçadeiras. A areia queima os pés, refugiamo-nos na sombra do toldo. O céu deita-se no mar.

1 de Julho. Demasiado pachorrento para manter este diário em dia. E férias são férias, bolas. Abstenho-me do computador. Por vezes prefiro ler bons livros do que escrever má prosa. Terminei valter hugo mãe e comecei "Atlas das Nuvens", de David Mitchell. Comprei tudo o que pude encontrar de Saramago, devem faltar-me apenas uma pequena dezena de obras. Tenho duas embalagens com 25 quilos de livros para enviar por correio. Este ano, excedi-me! Como sempre.

Festejei o meu aniversário com um jantar em tête-a-tête no Aquavit, em Vilamoura. Bife recheado com camarão e molho à lavagante, bife com foie gras e molho vinho do Porto. Vinho branco a acompanhar. Alentejano, claro. Tudo muito bom. Serviço muito simpático.

Hoje, jantámos com amigos no Flôr do Sal, em Almancil, altamente recomendado pelo Jorge. Arroz de Marisco e carne de porco à alentejana. Um Alvarinho verde. Tudo muito delicioso, serviço muito atencioso. Aprovado.

3 de Julho. Último dia no Algarve. Torrámos ao sol como se não houvesse amanhã. O bronze tem que durar pelo menos umas semaninhas. Fazer praia na ilha do Farol e na Deserta fica agendado para o ano. A visita prometida a Silves e à Fóia também.
Amanhã, rumamos de regresso a norte.

2 comentários:

Cindy disse...

Que saudades de uma carne de porco a alentejana... Tou a ver que as ferias estão a ser optimas... Divirtam-se muito priminhos.... BEIJINHOS

Alexandre Gaspar Weytjens a.k.a. José Lus Correia disse...

divertimo-nos. e tu, não bais a Portugal?