sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Andamos a escrever mais sobre sexo, mas será que temos jeito?

por Luís Francisco, suplemento Ipsilon, jornal Público, 10.02.2010

Os brasileiros são melhores do que nós, os poetas superam os romancistas. Será por causa das limitações da língua, falta-nos tradição literária ou somos demasiado pudicos? Os diagnósticos variam, mas os sintomas são comuns: em Portugal, (ainda) escrevemos pouco sobre sexo e nem sempre sai grande coisa

Não é fácil encontrar na literatura portuguesa bons nacos de prosa ou passagens poéticas com conteúdo sexual. Que o diga António Mega Ferreira, que em 2005 publicou uma antologia do "Erotismo na Ficção Portuguesa do Século XX". Pesquisou exaustivamente décadas de produção literária e o trabalho revelou-se "muito difícil", por falta de matéria-prima. Em quantidade e, sobretudo, em qualidade. Será que não temos mesmo jeito para verter em romance essas coisas do corpo?

O hoje presidente da Fundação do Centro Cultural de Belém não deixa margem para segundas leituras: "Encontrei coisas horrendas ao longo da pesquisa." A escritora Lídia Jorge também não tem dúvidas: "Somos bons noutras coisas, nessa não." Mais contundente, o jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares assume que, em Portugal, "escreve-se muito mal sobre sexo". Já o crítico Pedro Mexia acha que o problema não é só português, está "em todo o lado", devido à "dificuldade do tema".

Mas se Mega Ferreira tivesse alargado o seu horizonte à literatura de língua portuguesa, o resultado poderia ser bem diferente. Autores como João Ubaldo Ribeiro e Rubem Fonseca, ambos do Brasil, aparecem com frequência quando se pedem bons exemplos de literatura com conteúdo sexual, erótico. O escritor angolano José Eduardo Agualusa menciona ainda o seu compatriota Ruy Duarte de Carvalho. Será que as palavras do português de cá não ajudam?

"'Bunda' é muito melhor do que 'rabo'. 'Seios' é piroso, 'mamas' é cru. 'Pau', no Brasil, resulta e por cá vai-se generalizando. Mas a palavra começada por 'c' nem poderia aparecer neste artigo..." Inês Pedrosa, escritora e directora da Casa Fernando Pessoa, regista uma série de dificuldades com o léxico. "A nossa língua anda muitas vezes por dois extremos: o lírico e o obsceno, grosseiro. Às vezes faltam as palavras", completa Lídia Jorge

Será, então, um problema da língua? "Não. Se fôssemos realmente bons conseguíamos sê-lo com a nossa língua", sentencia Mega Ferreira. Miguel Sousa Tavares concorda: "Tem a ver com a capacidade dos escritores; o português do Brasil é melhor, mas não é só isso..." Pois, conclui, José Eduardo Agualusa, "os escritores brasileiros, de uma forma geral, são muito melhores do que os portugueses quando se trata de escrever sobre sexo".

Mas Portugal tem e teve bons escritores. Haverá alguma razão para que o sexo apareça tão pouco e de forma tantas vezes desastrada ao longo de décadas de produção literária? Bom, não será apenas uma. Há um conjunto de razões, a começar pelo facto básico de que "o sexo é diferente a Sul do Equador", como constata Mega Ferreira, que fala de "um pudor enormíssimo" entre nós.

A falta de naturalidade aparece, assim, como o pecado maior das nossas letras nesse campo. "A literatura portuguesa está cheia de pudor, falsamente vitoriano", analisa o escritor Baptista-Bastos. "A tradição do neorealismo foi desastrosa, com um estilo absolutamente piroso a tratar de sexo, e as gerações seguintes ficaram marcadas", aponta Miguel Sousa Tavares. Talvez isso explique o recurso maciço a metáforas sempre que o sexo entra em cena. Que traz consigo outro problema: "Algumas metáforas são assustadoras", avisa Pedro Mexia.

Inês Pedrosa acha que elas não fazem falta nenhuma. "O sexo tem uma força em si que dispensa a metaforização. Esta é usada para esconder as palavras. Mas pele é pele, corpo é corpo...", diz a escritora. Mas também isto não é uma lei absoluta: "Hoje em dia, na crítica, parece que a metáfora está 'out'; tudo o que não pareça muito cerebral parece que já não merece ser literatura."

A força da poesia

Apesar de tudo, evitar tratar as coisas pelos nomes pode não ser um golpe de morte na intenção de criar uma atmosfera de tensão carnal. Nem sempre a linguagem mais explícita teve a aceitação pública que hoje vai tendo e os escritores foram encontrando caminhos que não passassem pela camuflagem metafórica. Às vezes, como lembra Baptista-Bastos, há que oferecer ao leitor uma "ampla margem dedutiva". Leia-se "O Primo Basílio", de Eça de Queirós, romance em que Mega Ferreira situa a "primeira inscrição do erotismo na literatura portuguesa":

"Basílio achava-a irresistível; quem diria que uma burguesinha podia ter tanto chique, tanta queda? Ajoelhou-se, tomou-lhe os pezinhos entre as mãos, beijou-lhos; depois, dizendo muito mal das ligas 'tão feias, com fechos de metal', beijou-lhe respeitosamente os joelhos; e então fez-lhe baixinho um pedido. Ela corou, sorriu, dizia: 'não! não!" E quando saiu do seu delírio tapou o rosto com as mãos, toda escarlate; murmurou repreensivamente:

- Oh, Basílio!

Ele torcia o bigode, muito satisfeito. Ensinara-lhe uma sensação nova; tinha-a na mão!"

Sexo oral no século XIX?! Foi por estas e por outras que o próprio pai de Eça, apesar de conquistado pela força da narrativa, lhe puxou as orelhas. A descrição de cenas eróticas sempre chocou algumas consciências. E é por isso que os poetas, com a sua abordagem teoricamente mais desligada da realidade, beneficiam de um maior à-vontade. O que eles dizem não é bem o mundo, é poesia, pensará o cidadão comum.

Será essa a explicação para a larga vantagem que a poesia leva sobre a prosa nesta área do erotismo? Não, diz Miguel Esteves Cardoso. O escritor e colunista considera que "os melhores escritores sobre sexo tendem a ser os melhores escritores". No caso português, os melhores são poetas. "Camões e, mais recentemente, Vitorino Nemésio, Mário Cesariny, Herberto Hélder, João Miguel Fernandes Jorge e Joaquim Manuel Magalhães." Conclusão, para que não restem dúvidas: "Na prosa somos um desastre."

Será, talvez, porque os portugueses "têm mais jeito para expressar a frustração do que o desejo", na visão do escritor Rui Zink. Também para ele, os poetas levam a melhor. "Para expressar o desejo e o corpo, escolhemos a poesia. Assim, de cor, penso em [António] Botto, Florbela [Espanca], Natália [Correia], Eugénio [de Andrade], [Maria] Teresa Horta, Al Berto, [Alberto] Pimenta... Já na prosa somos furtivos, tímidos ou, então, temos actos falhados."

Pode haver várias tentativas de explicação para esta inabilidade literária, numa área que é, e será sempre, "um campo minado". Mega Ferreira fala da "tardia tradição do romance" entre nós, mas também dos "50 anos de ditadura salazarista", com a sua lógica de "censura e marginalização do tema sexual". Um véu pesado, também com uma componente religiosa muito forte, que deu origem a uma "cultura casta e lírica", analisa Lídia Jorge.

A "prova de fogo"

Todos os que escrevem têm consciência da realidade que os rodeia no que respeita aos espinhos do erotismo escrito. Uma consciência formal, que se prende com os gostos do público, o seu estilo pessoal ou a contundência da crítica. Mas também - porque dentro de um escritor há sempre uma pessoa - uma consciência pessoal. No momento de escrever sobre sexo, será que os escritores não pensam: "O que é que a minha mãe [ou o meu filho, ou...] vai pensar disto?" Será que, de algum modo, se autocensuram?

"Claro, como aliás acontece com qualquer cena relativamente 'inspirada na vida real'", assume o escritor Francisco José Viegas, apoiado por António Mega Ferreira, também ele com obra publicada: "Tenho consciência dos condicionalismos do passado e do presente e não sei se teria talento para evitar os alçapões." Já Miguel Sousa Tavares garante não ter "qualquer autocensura" - "A minha preocupação é não ser ridículo, não forçar." Tese, antítese... e síntese. Lídia Jorge: "Somos seres complexos, às vezes fazemos censuras de que não nos damos conta."

Inês Pedrosa, por seu turno, está-se "nas tintas" para o que as pessoas possam pensar. Considera "um desafio escrever sobre sexo" e o seu livro mais recente, "A Eternidade e o Desejo", termina exactamente com um orgasmo feminino. "Se é verdade que um romance caminha para o seu clímax, então é um final muito apropriado!", brinca. Mas recorda-se de receber "alguns conselhos pré-publicação para 'esconder' o orgasmo mais no meio do livro"... Ignorou-os e o seu próximo trabalho terá ainda mais cenas eróticas, porque a autora escolheu abordar o tema da amizade masculina. E, quando os homens se juntam, falam inevitavelmente de sexo.

O mesmo parece acontecer aos escritores quando enfrentam a folha em branco. Lídia Jorge: "Escrever é fazer amor com o mundo. Há uma pulsão erótica na escrita, como em qualquer arte. Escreve-se sobre o destino. E o amor tem uma farta fatia do destino. E o sexo tem uma farta fatia do amor." E é por isso que os escritores arriscam constantemente enfrentar essa "prova de fogo" do erotismo. Mesmo que muitos acabem por se queimar.

Pedro Mexia acha que é, "como no cinema, das coisas mais difíceis de fazer" e salienta que na literatura "há sempre dois extremos, ambos perigosos: o obsceno e o kitsch". A ter de escolher, coisa que sucede muito frequentemente quando se lê sobre sexo, ele prefere o primeiro. Mas há, entre os autores, quem evite "andar nessa corda bamba entre o obsceno e o kitsch".

António Lobo Antunes, por exemplo, já confessou a sua falta de jeito para as cenas eróticas e não se mete nisso. Outros - e génios! - antes dele fizeram o mesmo. "O [Alfred] Hitchcok dizia que não podia filmar uma cena de sexo por causa dos planos de corte, que falseiam a realidade. Só em plano-sequência...", lembra Mexia.

"Vigilância acrescida"

Será pelo desafio da escrita ou pela incontornabilidade do tema quando falamos da existência humana, a verdade é que o sexo acaba quase sempre por irromper numa história. E, quando isso acontece, o que faz o escritor? "É preciso atenção, mas a abordagem tem de ser natural e sem abdicar do estilo próprio e do tom da obra", avisa Miguel Sousa Tavares.

É por isso que Lídia Jorge não procura "escrever cenas demasiado expostas, exibicionistas" - "A nossa cultura não o faz e eu não o faço. É cultural e é, também, pessoal." Regra máxima: "A sugestão é mais importante do que a exibição. A Agustina [Bessa-Luís] até costumava dizer que quem precisa mais de exibição são os impotentes."

Francisco José Viegas bate mais forte. "O que me irrita mais é quando um autor, sobretudo quando escreve na primeira pessoa, tem de falar do imenso, forte, brutal, devastador, grosso pénis erecto. É uma mania exibicionista e, já agora, 'brochante' na maior parte das vezes, porque, vê-se logo, quem faz pouco sexo, escreve sobre o assunto."

Também ele prefere a sugestão à exibição. "As cenas de sexo, ou os diálogos sobre sexo, correm muito mais o risco de desaguar no puro mau gosto. Acho que prefiro sugerir, abrir um pouco o jogo, mas deixar a coisa suspensa. Ou então ser decididamente 'brutal'." Quando tem de ser, tem de ser. Lídia Jorge recorda uma personagem do seu romance "O Vento Assobiando nas Ruas", uma rapariga "um pouco 'atrasada', que não sabe autocontrolar-se e, por isso, conta com toda a clareza a expressão do seu desejo". Não teve reacções negativas.

Também não há forma de prever ao milímetro o que as pessoas vão pensar. Francisco José Viegas lembra-se de uma crítica em que se falava de um "erro fatal" no romance "Longe de Manaus" - o escritor tinha 'assassinado' uma personagem feminina "exactamente quando ela se preparava para uma cena de sexo com outra mulher"... Na verdade, comenta Inês Pedrosa, "temos tendência para pensar que o país é mais conservador do que realmente é".

"Nunca é um exercício fácil, correm-se múltiplos riscos e, muitas vezes, ser politicamente correcto atrapalha as coisas", regista Patrícia Reis. A escritora e jornalista salienta ainda outra variável nesta equação a múltiplas incógnitas: "O sexo é entendido de forma diferenciada. Somos leitores diferentes ao longo da vida, do mês, da semana. O que hoje nos choca, amanhã pode ser indiferente. E o sexo é valorizado e desvalorizado numa vertigem doida desde que as novas tecnologias o banalizaram."

Usando assumidamente um eufemismo - "Não lhe chamaria autocensura, antes vigilância acrescida" -, Mega Ferreira explica que o escritor "corre sempre o risco de, ao dar destaque a uma determinada cena, esta ficar presa no seu conteúdo erótico, apenas uma cena, sem mais do que ela própria". Ou seja, de não contribuir em nada para o fluir da história. Um problema para o qual Francisco José Viegas diz ter uma solução: "O ideal é deixar as personagens a foder, lá dentro, no quarto, e nós falarmos de outra coisa enquanto eles fazem a coisa como deve ser."

Maus exemplos

O problema é quando entramos por ali adentro e a coisa não corre mesmo nada bem. Veja-se este naco de prosa de "O Codex 632", um dos vários "best-sellers" de José Rodrigues dos Santos:

"Parou de comer e fitou-o com uma expressão insinuante. 'Sabe qual é a minha maior fantasia de cozinheira?'

'Hã?'

'Quando um dia for casada e tiver um filho, vou fazer uma sopa de peixe com o leite das minhas mamas.'

Tomás quase se engasgou com a sopa.

'Como?'

'Quero fazer uma sopa de peixe com o leite as minhas mamas', repetiu ela, como se dissesse a coisa mais natural do mundo. Colocou a mão no seio esquerdo e espremeu-o de modo tal que o mamilo espreitou pela borda do decote. 'Gostava de provar?'

Tomás sentiu uma erecção gigantesca a formar-se-lhe nas calças. Incapaz de proferir uma palavra e com a garganta subitamente seca, fez que sim com a cabeça. Lena tirou todo o seio esquerdo para fora do decote de seda azul (...). A sueca ergueu-se e aproximou-se do professor; em pé, ao lado ele, encostou-lhe o seio à boca. Tomás não resistiu. Abraçou-a pela cintura e começou a chupar-lhe o mamilo saliente."

Há gostos para tudo, mas esta é uma das cenas mais vezes lembrada quando se fala em maus exemplos de sexo na literatura portuguesa. Uma quase unanimidade que o autor não comentará neste artigo, por se ter escusado a prestar declarações.

Resta-lhe a consolação de aparecer em boa companhia quando se pedem exemplos de passagens eróticas particularmente más. Pedro Mexia começa por se lembrar do "leite de mamas", mas como, no seu entender, "isso nem é bem literatura", avança para algumas passagens "de extremo mau gosto" escritas pelo Nobel José Saramago.

Nem todos são cruéis "ao ponto de dizer nomes", como confessa Rui Zink, que se limita a constatar que "a cabeça dos homens portugueses é pouco fluida quando chega às coisas do corpo". Por pudor ou memória selectiva, José Eduardo Agualusa também fala no geral: "Há escritores excelentes que produziram frases más sobre sexo, mas graças a Deus não me recordo de nenhuma."

Já Patrícia Reis lembra um livro "cujo título é maravilhoso e verdadeiro: 'O Amor é Fodido', de Miguel Esteves Cardoso". Mas... "O conteúdo, as cenas mais concretas de sexo, a linguagem gratuitamente pornográfica não me adiantou nada." De um livro inteiro para uma passagem específica, eleita pelo crítico Eduardo Pitta:

"Dois soldados, em vez de enterrarem os cadáveres dos seus amigos mortos em batalha, escaparam às ordens, e num pequeno bar, ainda com o uniforme manchado, mandam vir uma mulher - uma prostituta - e os dois sobem com ela para um quarto e fornicam-na. Um colando-lhe o pénis na boca e o outro fornicando-a por trás como fazem os cães às cadelas e os homens às mulheres ou a outros homens."

O livro é "Água, Cão, Cavalo, Cabeça", o autor Gonçalo M. Tavares. "Se houvesse um prémio em Portugal [para más passagens eróticas], haveria alguns bons concorrentes", avalia Mega ferreira. "Incluindo pérolas de grandes escritores. Como já dizia o outro: 'Homero também dormita'..."

A questão não é académica. No Reino Unido há mesmo um prémio anual para Mau Sexo em Literatura, este ano conquistado por Jonathan Littell, com o romance "As Benevolentes". Vendeu mais de um milhão de exemplares por essa Europa fora e o júri destaca a genialidade da obra. Bom, pelo menos da maior parte: "Passagens como 'Vim-me subitamente, um jorro que me esvaziou a cabeça como uma colher raspando o interior de um ovo pouco cozido [tradução livre]' garantiram o prémio a 'As Benevolentes'", anunciou a "Literary Review", promotora de uma iniciativa que este ano tinha na lista de finalistas nomes tão consagrados como os de Paul Theroux, Nick Cave, Philip Roth ou Amos Oz. Entre outros.

O fogo de Jorge de Sena

Mas deixemo-nos de negativismos. Fechada a cortina sobre as más cenas de sexo, o que haverá a destacar no extremo oposto? Onde estão os bons exemplos? As respostas surgem agora mais soltas e abundantes - talvez que, por serem raros, acabem por gerar maior unanimidade.

Miguel Sousa Tavares fala de "Sinais de Fogo", de Jorge de Sena, romance também citado por Mega Ferreira, que o considera uma "obra invulgar", onde a "instância sexual só não está do princípio ao fim porque se trata de uma obra inacabada..." Patrícia Reis chama-lhe "um livro poderoso". Rui Zink também escolhe Jorge de Sena, mas prefere "O Físico Prodigioso".

José Eduardo Agualusa lembra vários romances de Rubem Fonseca e destaca ainda "O Sorriso do Lagarto", de João Ubaldo Ribeiro; "Rakushisha", de Adriana Lisboa; e "Os Papéis do Inglês", de Ruy Duarte de Carvalho. O primeiro merece igualmente a preferência de Pedro Mexia e Francisco José Viegas. Diz este: "O livro de língua portuguesa onde há melhores cenas de sexo é 'A Grande Arte', de Rubem Fonseca. Ele é muito bom a escrever essas cenas porque, justamente, não quer escrever 'cenas de sexo'. Quer falar de homens e mulheres."

Mas Viegas guarda ainda espaço para Mónica Marques e a sua "Transa Atlântica", com uma cena de 'ménage à trois' que é "de uma elegância festiva, feliz e deliciosa". Eduardo Pitta vai ainda mais longe no elogio. Para o crítico, a melhor cena de conteúdo sexual da literatura de língua portuguesa é... "Todas as de 'Transa Atlântica'. Overdose absoluta, sem metáfora. Pau e xoxota mesmo. Um clássico do género." E a seguir destaca Al Berto, por "Lunário", a "primeira narrativa portuguesa 'gender fucker'".

Outras referências: Maria Isabel Moura (Rui Zink); Inês Pedrosa (Patrícia Reis); Francisco José Viegas (Pedro Mexia); Carlos de Oliveira, em "Uma Abelha na Chuva" ("um primor de sugestão erótico-sexual, na sequência em que D. Maria dos Prazeres viaja na charrette, sente-se atraída pelo cocheiro", diz Baptista-Bastos); Miguel Esteves Cardoso (Mega Ferreira); Almeida Faria (Francisco José Viegas).

E ainda José Cardoso Pires. Em "A Balada da Praia dos Cães", Francisco José Viegas aprecia a safadice e Rui Zink elege mesmo como melhor cena da literatura portuguesa de conteúdo erótico "a masturbação revoltada do inspector Elias". É assim:

"Elias masturba-se. Sempre de olhar parado, vendo para dentro e a desfocar-se (o olhar de quem se deixa ir de viagem) enquanto a mão, o rosto e a boca dela o trabalham lá em baixo, e tudo se concentra. Elias vai num espaço fechado, numa caixa de espelhos, a cabeça solta, desligada dele. O pénis recurvo não pára de ser percorrido por uma cadência saboreada e insistente, e ele de olhar imóvel, diante dum vidro (que já não é de espelho, mas transparente) diante dum pára-brisas, um autocolante, um espelho retrovisor, para baixo e para cima, as molas do assento a rangerem num movimento mecânico e igual. Sempre."

A vez delas

Se há algo que nos surpreenda nestas escolhas, talvez seja a presença marcante de mulheres autoras. O que permite levantar a eterna questão de haver, ou não, uma escrita feminina, por oposição ao estilo dos homens, tradicional, de tratar as coisas do sexo. Apesar de Inês Pedrosa não querer que lhe falem "disso" da escrita feminina e masculina, tem mesmo de ser...

Francisco José Viegas: "Elas são melhores do que os homens e estão a escrever mais sobre sexo - não sei se isso é bom ou mau -, mais e mais despudoradamente, com mais imaginação e até com mais melancolia." Mega Ferreira: "As mulheres, porventura, ultrapassam melhor o pudor quase ancestral que nos tolhe; talvez tenham maior capacidade para escrever com mais à-vontade - talvez porque nomear o sexo, escrever sobre sexo, seja uma forma de emancipação."

Lídia Jorge não vê a coisa assim, até porque acha que "o esforço de transgressão" foi feito pela "geração anterior" à sua. E, já agora, também não aceita que se pense no sexo como "capacidade de expressão de uma literatura": "É uma prova de fogo um escritor ser capaz de entrar na intimidade sexual e ser capaz de a descrever com eficácia e elegância. Mas não é a medida para avaliar uma literatura."

Seja como for, não é mais difícil para uma mulher expor-se dessa maneira do que para um homem? Analisa Inês Pedrosa: "As mulheres são muito penalizadas quando escrevem sobre sexo. Há um discurso libertário, mas a verdade é que continua a impor-se aquele estereótipo de que um homem com muitas relações sexuais é um garanhão e uma mulher tem de ser recatada, se se atreve a escrever sobre isso é porque é uma devassa. As mulheres pensam em afectos e não têm corpo..."

Mas têm. E estão a falar cada vez mais dele. Neste como noutros campos, talvez elas sejam a nossa maior esperança.

(o artigo será removido se o autor assim o desejar)

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