sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

2010, ano charneira

O ano de 2010 começa com grandes expectativas. Como todos os novos anos. Mas um ano que poderia ser charneira para a segunda década do século, pode vir a brilhar pela perplexidade e hesitação dos que devem tomar decisões que há muito se esperam e impõem.

Os olhos do Mundo continuam a depositar a audácia da esperança num messiânico Obama, que conseguiu fazer passar na véspera de Natal a lei da cobertura médica universal. Ganhou a solidariedade no país dos egóticos self-made men. A lei passou, arrancada a ferros, mas a que preço. Quem pagará a factura? A garantia de que os contratos assinados por Bush com a indústria do armamento vão continuar vigentes? Só assim se entenderia o envio de mais armas e homens para o Afeganistão pelo Nobel da Paz. Dizem os cínicos (que gostam de se auto-apelidar de realistas) que a política é hoje feita destes compromissos. Será que Obama consegue outro compromisso destes na política ambientalista depois do desaire de Copenhaga?

O Mundo aspira também que 2010 veja a retirada das tropas do Iraque, a confirmação da revolução verde em prol da democracia no Irão, a paz no Médio Oriente, um maior empenho na luta contra a pobreza nos países do Sul, e a saída da crise económica global, entre outros desideratos mais locais ou regionais.

Por cá, a velha Europa quer dar o exemplo, mas falta-lhe, como sempre nos últimos tempos, audácia e união, apesar da designação que lhe conferiu há 18 anos o Tratado de Maastricht. Começou por seleccionar marionetas articuladas para novos postos de chefia, altos títulos balofos de sentido, e afastou do ringue um peso pesado da política europeia como Juncker. A audácia e sobretudo o pragmatismo do grande estadista faziam falta a uma UE que se quer afirmar internacionalmente. Evitava-se que as ideias de Bruxelas fossem recebidas como anedotas pela aldeia global. Como aquela em que a UE propôs que Jerusalém passasse a ser a capital de dois estados. Recorde-se que nem Berlim resistiu a essa geopolítica forçada e implosiva. Comunistas e federalistas não partilharam uma capital, como pedi-lo a judeus e muçulmanos? Poderia a religião conseguir consenso onde a política falhou ? O presidente da UE deveria ter aprendido primeiro a arrumar a sua própria casa. É que Bruxelas já esteve mais longe de se tornar uma cidade dividida.

A Comissão Europeia declarou 2010 Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza e a Exclusão Social. Mas ao mesmo tempo que lutamos contra a pobreza em África, atentemos que ainda há milhares de pobres e outros a viverem no limiar da pobreza no nosso continente, um dos mais ricos do globo.

Ao decretar em Dezembro o fim da recessão na zona euro, a UE aposta numa retoma rápida da confiança dos europeus na economia interna, por que é de confiança afinal que se trata e de esquecer a crise financeira o mais depressa possível. A não ser que certos efeitos secundários sistémicos se comecem a sentir apenas em 2010.

Países como o Luxemburgo e Portugal optaram por orçamentos de estado apertados. O Grão-Ducado vai investir em obras públicas, mas conquistas sociais do século XX como a indexação salarial parecem ter passado definitivamente à história. Em Portugal, espera-se apenas que os impostos não subam, que a crise se desvaneça mesmo, que as politiquices mesquinhas cessem e que o Governo faça o que foi eleito para fazer – governar.

Dossiês como o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa não parecem assim ser uma prioridade do Governo português neste ano de reequilíbrio das contas públicas. Apesar de este ter entrado oficialmente em vigor a 1 de Janeiro, o país não parece pronto – nem financeiramente nem logisticamente - a aplicá-lo. A ministra portuguesa da Educação anunciou que antes de tudo é necessário preparar docentes e prever manuais, e que isso não acontecerá no próximo ano lectivo. Datas realistas parecem ser 2013 ou 2015. No Brasil, o acordo está em vigor há já um ano. Em Portugal, a maioria da imprensa resiste à mutação. O jornal Público anunciou mesmo que não a adoptaria. O CONTACTO, por seu lado, vai aguardar até que o acordo seja adoptado pelas instituições nacionais e se torne realmente a regra. Até porque não seria avisado adaptar, adoptar e adquirir sistemas de uma nova ortografia que no fim de contas não vingasse. Revelar-se-ia um investimento inútil, além de lançar uma confusão babeliana desnecessária entre os nossos leitores, com artigos a surgirem em várias ortografias possíveis. Porque o novo Português agora forjado, com todas as excepções que inclui, mais parece uma "novlíngua" orwelliana à la carte.

Mas 2010 é também o ano em que o CONTACTO celebra o seu 40° aniversário. Vamos assinalar as nossas bodas de esmeralda com várias iniciativas. A primeira são crónicas quinzenais sobre as relações que existem há séculos entre o Luxemburgo e Portugal, mas que poucos de nós conhecem. Os artigos são assinados pelo historiador António de Vasconcelos Nogueira, que o CONTACTO convidou para este projecto, a lançar na edição de 20 de Janeiro. Nessa mesma data, publicamos um suplemento especial aniversário, a lembrar que foi em finais de Janeiro de 1970 que saiu o primeiro número do CONTACTO pelas mãos de alguns pioneiros da associação Amizade Portugal-Luxemburgo. Outros projectos, dossiês e reportagens especiais seguir-se-ão durante o ano.

A esmeralda é a pedra da inteligência, do coração e do renascimento acreditavam os antigos egípcios. E é precisamente com inteligência, mas sobretudo com o coração e num espírito de constante renovação e evolução que queremos celebrar as nossas quatro décadas de existência.

José Luís Correia
(Editorial, in "CONTACTO", de 06.01.2010)

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