sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Livros e leituras de Verão

Comecei a ler a revista "Ler" de Julho (n°82) nas férias e ainda não acabei. O Verão vai ser calmo, por isso vou ter tempo. A "Ler" está cada vez melhor. Gostei da entrevista que Vasco Pulido Valente deu à revista.

Ri-me que me fartei com a descontração com que VPV fala sobre a falta de talento de Saramago (que chama quase de sub-produto latino-americano), Lobo Antunes (que anda a mastigar há demasiado tempo os mesmos repetidos assuntos e deveria era ter publicado menos livros) e até de Agustina (o que ela escreve é "uma pasta"). Segundo VPV, a litertura deste trio (que são, afinal, os grandes escritores portugueses da actualidade) carece de domínio técnico, de filosofia moral, ética e estéca. E "acabrunha"! Lapidar, este VPV.

Mas o que vamos descobrindo ao longo da entrevista é que VPV coloca a faixa do talento tão alta que considera muito poucos como escritores de talento. Sobre si próprio é ainda mais castrador. Diz que é "apenas uma vozinha" e que para escrever romances, grandes romances, sonho que chegou a ter (como todos nós!) em adolescente, é preciso ser-se "um tenor". E assim justifica o seu próprio auto-aniquilamento e imobilismo na literatura.

Sobre o seu recente "Portugal-ensaios de história e de política", que já encetei, VPV aborda a história política portuguesa desde o liberalismo até aos anos 80. Confessa-se amante de alguns períodos em especial, como a Revolução Francesa, a Segunda Guerra Mundial, o nazismo. Mas até como historiador diz que se Portugal não fosse "um país periférico", quiçá, poderia ter sido uma voz maior da disciplina. E mais, que se pertencesse a algum dos países da Europa Central (Ocidental, quererá ele dizer!), então falaria cinco ou seis línguas, condição considerada por ele como sine qua non para dominar os acontecimentos e fenómenos históricos, se não in loco, pelo menos a partir da língua de origem, e assim poderia ter sido realmente um grande historiador. E é assim que justifica a sua "vozinha".

Quem mora no Luxemburgo (onde realmente é fácil um aluno falar cinco ou seis línguas, graças ao trilinguismo inicial que a escola imprime) e conhece minimamente o resto da Europa, sabe que fora destas estreitas fronteiras grã-ducais em muitos poucos países as pessoas, e até os mais jovens, dominam mais do que duas, no máximo três, línguas.

Não se sente porém amargura na "vozinha" de VPV, antes uma resignação dissimulada e que é extraordinariamente compensada por rasgos de arrogância e auto-derisão. E desculpa-se com a sua condição humana. Mas até isso é uma opção que respeito e entendo. É que, ao contrário de Pessoa, VPV sempre preferiu a vida à escrita. Excerto: quando Carlos Vaz Marques (CVM) lhe pergunta se ele sente que passou ao lado de alguma coisa, VPV atira (irritado?, hilariante?, o entrevistador não o precisa!): "Por amor de Deus, isso é uma pergunta extraordinária. Se eu fosse capado e rico é possível que tivesse escrito melhor História". "Capado, porquê?", inquire CVM. "Para não ter tido distracções com mulheres. Se eu fosse capado e rico ou se fosse um monge. Se calhar, sei lá...".

Hilariante, esta entrevista. Excelente. Quase tão épica como a que CVM fez há tempos à Margarida Rebelo Pinto, em que, a dada altura, quando o entrevistador lhe pergunta se a sua literatura é "light" (cor-de-rosa), a entrevistada ameaça dar à sola. CVM tem esse talento raro dos grandes entrevistadores: de a entrevista fluir como uma boa conversa e de, palavra puxa palavra (e as palavras são como as cerejas!), conseguir levar os seus interlocutores para terrenos onde se teriam até, por ventura, previamente prometido, não ir. Excelente!

Na "Ler", a minha predilecção vai para os textos do Rogério Casanova, que aposto ser o alter-ego de de Francisco José Viegas; do Jorge Reis-Sá, para além do bem e do mal; do Pedro Mexia, no estilo a que me habituou nos seus livros de crónicas através dos quais o conheci, que eu não era leitor dos jornais em que escrevia; do José Eduardo Águalusa, convertido em necro(ro)mântico literário; das entrevistas do Carlos Vaz Marques; do sofá vermelho da "Ler"; do "turismo de biblioteca" à casa dos escritores.

Neste, gostei também particularmente da entrevista ao valter hugo mãe. Depois dos amores e desventuras de duas mulheres de limpeza em "o apocalipse dos trabalhadores" (2008), valter revela que está a preparar um livro que conta a história do sr. silva, de 84 anos, cuja esposa acabou de falecer após 50 anos de vida comum.

Outras leituras

O "Ulisses" do James Joyce é actualmente o meu livro de cabeceira e ando a lê-lo esporadicamente, antes de deitar, quase em doses terapêuticas.

Estou ainda a ler, intercalarmente, "À Espera de Godinho: Quando o Futuro existia". Quatro iminentes portugueses (personagens reais), uns cientistas fora de Portugal, outros que ocupam ou ocuparam altos postos na Comissão Europeia, reúnem-se em Bruxelas para jantar com um tal Godinho, "português de Portugal", que se faz esperar e nunca mais aparece. O tempo de espera é usado para que cada um deles conte a sua história: de como ali chegaram depois de nascerem num Portugal ainda mergulhado em pleno salazarismo. Podem ler um excerto, aqui

Por fim, ando ainda a ler um romance histórico delicioso: "A Lenda de Martim Regos" de Pedro Canais. Aventuras de um português nas quatro partes do mundo no séc. XV, contado à maneira de Quinhentos, mas numa ortografia moderna. A alma gémea de Fernão Mendes Minto! Martim Regos ou Pedro Canais, perguntam-me? Os dois.

Ah, e aproveitei para trazer de Portugal o meu carregamento habitual de livros.

- "Meninos de Ninguém", de Ana Cristina Pereira; amiga minha, jornalista do Público, as reportagens sobre os dramas humanos que vivem os meninos e adolescentes nas ruas de Portugal, que a jornalista escreveu para aquele jornal, agora reunidos em livro
- "O que faço eu aqui", de Bruce Chatwin, brilhante jornalista e escritor de viagens do séc. XX
- "Aprender a rezar na Era da Técnica", de Gonçalo M. Tavares, mais um para a colecção dos "livros pretos"
- "Os sofrimentos do jovem Werther", de J.W. Goethe, que ainda não tinha em versão portuguesa
- "Um Outro-Crónica de uma metamorfose", de Imre Kertész, porque quero conhecer melhor o autor
- "Contos", de Virgílio Ferreira, que ainda não tinha na minha colecção VF
- "Onde crescem limas não nascem laranjas", de Amanda Smyth, para descobrir uma nova autora com origens irlandesas e portuguesas
- "O caderno do algoz", de Sandro William Junqueira; mais um jovem autor algarvio por descobrir
- "No bosque do espelho: uma viagem fantástica ao mundo dos livros", de Alberto Manguel, por gostar de perder-me no universo paralelo do autor e admirar a sua adoração (quase orgásmica, que partilho) pelos livros
- "O livro das citações", de Eduardo Giannetti, porque gosto de livros de citações
- "Citações e pensamentos de Fernando Pessoa", org. por Paulo Neves da Silva, para a minha colecção pessoana
- "Reduto quase final", de Dinis Machado, porque quero conhecer melhor o autor
- "Vocabulário: as palavras que mudam com o Acordo Ortográfico", porque é necessário e porque a contagem decrescente afunila-se
- "Barroco Tropical", de José Eduardo Águalusa, porque me apeteceu!
- "História da Primeira República Portuguesa", de Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo, como obra de consulta

Bons livros e bom Verão!

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