Futebol cardíaco
"Em Portugal há uma palavra mágica: Futebol!" Foi com este chavão emblemático que Carlos Cruz começou o seu discurso de apresentação da candidatura de Portugal ao Euro2004, do qual acabamos por ganhar a organização, perante a incredulidade da candidatura espanhola. E apesar de, no final da competição, Portugal "se ter visto grego", os portugueses viveram o Euro2004 como uma festa. Celebrávamos o quê? Uma organização bem sucedida ao mais alto nível de uma das competições desportivas mais importantes da Europa e o desempenho exemplar da Selecção que conseguia sagrar-se vice-campeã europeia.
Como bem o resumira o ex-apresentador de televisão: para os portugueses, o futebol é uma questão de coração.
Um professor de alemão contou-me que assistia certo dia a um jogo de futebol em Portugal. A dado momento, perante o barulho que faziam as claques, não se conteve, levantou-se e gritou-lhes, inadvertidamente, em alemão: "Ruhe!" ("Silêncio!"). Mas, em vez de o insultarem, aconteceu exactamente o contrário. O público juntou-se a ele, começando a repetir foneticamente e em uníssono o seu grito, mas... contra o árbitro: "Rua! O árbitro, para a rua! Rua!" E, apesar de nada até ali, nem ninguém, ter posto em causa o trabalho do homem de negro, criou-se a maior confusão, que obrigou inclusive à interrupção da partida.
É assim o futebol, algo irracional, porque mexe connosco, com as nossas tripas, com o nosso coração.
O Euro2008 começa dentro de três dias, edição organizada pela Áustria e pela Suíça. Portugal é uma das primeiras equipas a jogar. Contra a Turquia, no sábado à noite. À sua chegada a Neuchâtel no domingo, os jogadores da Selecção foram acolhidos em apoteose pela comunidade lusa ali radicada.
Os portugueses do Luxemburgo vivem com o mesmo entusiasmo cada jogo da Selecção. As bandeiras verde-rubras já começaram a ser hasteadas e colocadas às janelas, como aconteceu aquando dos últimos campeonatos do Mundo e da Europa de Futebol em que o nosso país participou.
As bandeiras são durante estas competições o símbolo do nosso orgulho nacional, de nação que vibra com o futebol. As quinas evocam o Coluna, o Eusébio, o Futre, o Figo, o Pauleta, o Cristiano Ronaldo e tantos outros. E como fizemos nossas as suas vitórias e as glórias que alcançaram.
Quando joga o nosso clube, tudo pára. Mas quando a Selecção entra em campo, ter a bandeira nas mãos é como se fosse o coração.
E é assim que espero que seja entendido pelos nossos concidadãos luxemburgueses. Não como uma afronta nacionalista desembainhada para esquartejar a integração, mas como uma partilha da nossa emoção à flor da pele pelo desporto-rei quando joga a nossa Selecção. E tão somente quando joga a nossa Selecção!
Que os portugueses, em apenas quatro décadas de imigração em solo luxemburguês, souberam ser protagonistas de uma integração exemplar, fazendo simultaneamente a distinção inteligente entre esta e a assimilação, i.e., integraram-se sem esquecer as suas raízes, o que nem sempre foi conseguido por outros conterrâneos nossos noutras terras. E não são efusões futebolísticas bianuais ou quadrienais que vão pôr em causa este dado adquirido.
Senão, vejamos o caso daquele meu amigo que se naturalizou luxemburguês há mais de dez anos: hasteia orgulhoso a bandeira com o leão vermelho em cada 23 de Junho. Não pelo 10 de Junho! Porque se sente mais luxemburguês do que português, disse-me um dia. O que é legítimo e é uma outra razão do coração.
Mas cada vez que a Selecção portuguesa joga no Mundial ou no Europeu, desfralda as quinas sem pejo. Fiz-lhe notar o pormenor. Respondeu-me, com toda a naturalidade do mundo: "Fussball ass fussball, männi! Ó pá, futebol é futebol!". E, com isto, tudo resumiu.
José Luís Correia (in Contacto, 04.06.08)
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