sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

terça-feira, 29 de abril de 2008

As razões do abismo


Os dedos das mãos dormentes, que já não sinto, são asas…

Os braços, sem medo, simulando o voo próximo,

Em bicos de pés, fingindo um equilíbrio que já não sei,

Todo o meu corpo balança à beira de um precipício que não procurei…


Considerando se devo ou não jogar-me

Considerando e calculando o tempo que demorará a queda de um corpo como o meu num buraco como estes

Considerando que depois de encontrar a solução da equação, pela prova dos nove, o resultado já não interessará mais

Considerando como será a sensação estranha do ar entrando-me àquela velocidade pelas narinas

Considerando se hei-de ou não fechar os olhos, durante a viagem

Considerando se hei-de ou não descalçar os sapatos, no degrau derradeiro

Considerando que posição majestosa adoptar no sublime mergulho para a eternidade

Considerando, medicalmente, se o meu coração aguentará a pressão da alta dose de adrenalina e de stress que me correrá pelas veias arrepiadas

Considerando, cientificamente, se o meu cérebro se extinguirá ao adivinhar o seu extermínio

Considerando se estarei lúcido no instante antes do impacto

Considerando, pseudo-intelectualmente, no que pensarei no último segundo

Considerando, psico-freudiamente, no que me atravessará o espírito nesse momento final

Considerando o aspecto pouco agradável que terá o meu monte de carne desfeita lá em baixo

Considerando que, pelo menos, os abutres apreciarão

Considerando que, pelo menos assim, servi para alguma coisa


Considerando que já não faço falta cá em cima

Considerando que nunca fiz falta

Considerando que fui um erro da Natureza

Considerando que só assim posso emendar o que Deus errou

Considerando que só assim me salvo de tudo isto

Considerando que só assim escapo ao meu destino

Considerando que só este será um acto que eu terei verdadeiramente decidido

Considerando que está na altura de ser eu a tomar este tipo de decisões, mesmo se é a última



Considerando que, com a minha partida, não se perderá grande coisa

Considerando que ninguém perderá grande coisa

Considerando que até podem, momentaneamente, sentir a minha falta

Considerando que isso depressa lhes passará, ao recordarem o meu mau génio

Considerando que não sou nem nunca fui indispensável a ninguém

Considerando que até o Ozono e a Floresta Amazónica ganharão em eu partir

Considerando que toda a gente passará melhor sem mim

Considerando que o Universo é perfeitamente viável sem mim

Considerando que até o Futuro, - não o meu –, será mais promissor assim


Considerando que só chateio, entristeço, estorvo, atrapalho, empato-fodas

Considerando que, assim, até eu próprio, já não terei de me aturar mais

Considerando que, assim, já não precisarei fingir

Considerando que, assim, já não poderei sentir

Considerando que, assim, já não poderei me dar

Considerando que, assim, já não me deixarei apaixonar

Considerando que, assim, já não poderei desiludir-me

Considerando que, assim, já não não poderão atingir-me

Considerando que, assim, já não sofrerei

Considerando que, assim, já não chorarei


Considerando que tudo continuará, no melhor dos Mundos, sem mim

Considerando, finalmente, que vim apenas para partir assim.

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Recordando um poema de 2002. As coisas, hoje, felizmente mudaram.

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