Nos períodos de pausa laboral prolongada, quando giro eu próprio os meus dias, acontece-me sempre o mesmo. Divago pelas horas, afastando para mais tarde as tarefas por fazer e quando chega a noite digo Amanhã.
A manhã foi gorda, um expresso e um caffe latte e uma torrada de queijo. Consultei os meus mails, vi algumas notícias de jornais digitais, derivei até ao Youtube. Pus o limewire a descarregar música - 1 Giant Leap, Robbie Williams, Kiss (as coreanas) e Kiss (os nova-iorquinos), John Mayer, Dixie Chicks, Gwen Stefani, Morcheeba e um episódio da segunda época de “Lost”.
Um amigo telefonou-me durante duas horas para me contar com todos os pormenores todas as maneiras e acrobacias como tinha feito sexo ontem à tarde com um bomba latina. Uma colega de trabalho que lhe anda a dar cabo do juizo e da conta bancária. “Mas que boa que a gaja é, f..da-se!” retorque ele. E mais argumentos nem são necessários.
O almoço foi sopa de legumes frente a um zapping das sinteses noticiosas do dia. Um telefilme alemão piroso como sobremesa e um passeio até Junglinster. O que há em Junglinster? Um restaurante oriental onde reservei um jantar romântico amanhã à noite. O nome do lugar, “trois quarts”, evoca, segundo o que o proprietário me explicou um dia, o verdadeiro equilíbrio zen. Vamos lá a ver se ainda me lembro da coisa... A filosofia do yin e do yang pode ser exemplificada pelo princípio do copo com água pela metade. Os pessimistas afirmam que o copo está meio-vazio e os optimistas metade-cheio. O copo é basicamente simbolo da nossa vida. Para os que professam a prática dos “três quartos”, o verdadeiro equilíbrio de vida está em encher a vida a “três quartos” e não deixar os objectivos de vida pela metade.
Além disso, o restaurante tem serviço esmerado e simpático, pratos típicos e cuidados, atmosfera vermelha e quente. Espero que a menina que lá levo aprecie o lugar e se sinta inspirada. Em casa, vou deixar o incenso a arder, Barry White na platina, just in case i get lucky too...
Já fora da localidade, parei numa “trattatoria mediterranica” para comprar “Dolcezza di Rumia” (doce da Sicilia) e verdadeiro pesto genovese. Isto não é nada bom para a dieta que já comecei 44 vezes desde o início do ano. Lá se foram as boas resoluções. Cedo sempre com a íntima convicção que controlo as tentações, quando nada é mais falso, porque a maioria das vezes, deixo-me ir por automatismo. É onde está o drama e o perigo.
No regressso à capital, passo pela livraria portuguesa para comprar o “novo” Público, as edições de ontem e de hoje. Gosto da primeira página, da nova ordem dos suplementos, do novo grafismo. Mas nada de radical. Mudar aos pouquinhos para não afugentar os adictos e conquistar novos leitores.
Já repararam em como os novos formatos e designs dos jornais seguem a tendência da net: tudo a cores, grandes fotografias, algumas de página inteira, a jogar com mini-tags, mini-fotos, medalhões, caixilhos de todas as cores, mini-caixilhos como se fossem pop-ups que saltam da página a duas dimensões, mini-notícias, breves, mini-breves, vários tamanhos de caracteres, das garrafais à micro-legenda apelativa. Os jornais perceberam que têm que mostrar a sua vantagem em relação à grande teia global. Em vez de avançar com a notícia fria e despachada, esta vem acrescentada, apoiada, apendiciada com a mais-valia da opinião, da reflexão. Multiplicam-se assim, páginas fora, os “influenciadores”, homens e mulheres não-jornalistas, dos mais variados quadrantes e uns com mais a dizer e outros com nada a apresentar, a quem foi dada a palavra. Para fazer pensar, observar, interpretar, traduuzir, digerir as notícias. Os jornais assumem-se cada vez mais descomplexadamente como formadores (e influenciadores) do que como simples informadores. Tentam ir onde a net ainda não (?) vai...Vai? Mais uma vez os velhos do restelo insurgiram-se para nada. Much ado about nothing! A net não anuncia a morte da imprensa, como a televisão não matou a rádio. Vem encaixar-se no mecanismo de rodas dentadas da nossa sociedade de informação. Juntar-se a ela é mais inteligente do que tentar combatê-la. E os jornais (alguns) perceberam isso.
Com o livreiro falámos pela enésima vez dos jornais portugueses que chegam demasiado tarde a estas terras distantes e a preços “dopados”.
"Há cada vez menos gente que lê e que compra jornais", lamenta.
"Mas as pessoas continuam a ler na net!", garanto-lhe.
"Não me venha cá dizer que é a mesma coisa, homem! Um ecrã não se dobra debaixo do braço, não tem cheiro a tinta e papel. As mãos já não namoram com as páginas...", argumenta ele, para quem o facto de haver mais internautas a ler o "Diário Digital" só prejudica o volume de negócios.
"Vai ver", digo-lhe para o sossegar, "os jornais não acabam, cada vez que fecha um independente, nasce outro sol".
Mas é debalde, porque para ele, a livraria tem os dias contados e "isto já não é como era, isto já deu o que tinha a dar!"
Chego a casa, preparo um cappuccino numa grande chávena de faiança vermelha. Folheio os jornais. Leio mais um excerto de “Les Bienveillantes” Jonathan Littell, que demoro a terminar. Provo o doce italiano numa fatia de pão de nozes. O "Magazine Littéraire" traz um artigo interessante sobre a Elfriede Jelinek e outro soporífero sobre os estóicos. A jornalista aplica a teoria filosófica estóica dos incorporais à prática singular de surfar na net porque a primeira define o espaço do mundo e dos possíveis da segunda. A net, como rede em constante e perpétua construção, que pensamos dominar mas que sempre nos ultrapassa, só é perceptível através desta definição do vazio de um estóico como Crisipo.
Humpf...Barro mais uma fatia com doce e ponho-lhe uma fatia de queijo diétético em cima. Define this!...
Os textos que eu devia ter corrigido first thing in the morning ainda lá estão, em cima da secretária e agora estou demasiado cansado para me pôr todo dobrado a escrevinhar aquilo. Amanhã.
“Morgen, morgen, nur nicht heute, sagen alle faule Leute!” *
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*("Amanhã, amanhã, hoje não, é o que dizem todos os preguiçosos!", máxima alemã)
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