Estes cadernos continuam em
Cadernos do Gaspar, vol. 3 (A experiência da expansão)
https://lescahiersdegaspar3.blogspot.com/
segunda-feira, 12 de novembro de 2018
quarta-feira, 28 de junho de 2017
EDITORIAL: Luxemburgo solidário com Pedrógão Grande
Na última semana nasceu no Luxemburgo, de forma espontânea, um movimento de solidariedade para ajudar as vítimas do incêndio em Pedrógão Grande, e foi crescendo exponencialmente.
Uma enorme onda de solidariedade para com as vítimas do incêndio em Pedrógão Grande varreu Portugal e as comunidades na última semana. No Luxemburgo foram muitos os que dedicaram a semana passada, incluindo serões, o feriado nacional luxemburguês e o fim de semana, em detrimento da família, da vida privada e até profissional, para trabalhar em prol das vítimas deste incêndio, reunindo bens e dinheiro, gerindo donativos e voluntários, multiplicando contactos para encontrar, numa primeira fase, locais de armazenamento para os produtos e pessoas para ajudar e, numa segunda fase, meios de transporte para levar tudo para Portugal. Um trabalho gigantesco, titânico, tentacular, que envolveu privados, associações, empresas e outras entidades, e se espalhou por todo o Grão-Ducado, de Mondorf a Differdange, de Belvaux a Dierkich.
Muitos foram também os luxemburgueses e estrangeiros que se solidarizaram, pois Portugal foi notícia em todos os media internacionais.
Espantoso quando se sabe que este movimento da sociedade civil nasceu, assim, de forma espontânea e cresceu exponencialmente ao longo dos dias. Incrível também o resultado, pelo tempo recorde para juntar tudo – cinco dias! – e enviar um camião e duas carrinhas para a zona sinistrada, e quando se sabe que mesmo depois dos pedidos para que as pessoas parem de dar bens, estes continuam a chegar, como se fosse mais fácil lançar esta “onda” do que pará-la.
A angariação dos donativos em dinheiro vai continuar até pelo menos meados de julho, com várias associações a juntarem-se naturalmente a este movimento e a aproveitarem as festas que já tinham agendadas para recolher fundos.
Parafraseando o Marquês de Pombal, depois de enterrados os mortos, agora é preciso cuidar dos vivos, que é exatamente para o que vão servir estes bens.
Para o Presidente da República, a prioridade agora é “acelerar a reconstrução”. Mas Marcelo sabe que mesmo se tudo indica que este foi um fogo que teve inicio devido a causas naturais é necessário “apurar tudo o que houver a apurar”.
Porque este não foi mais um incêndio florestal, foi o pior de todos! Arderam só naquele incêndio mais de 53 mil hectares de mata, quase metade de toda a área florestal ardida em todo o ano de 2016. Porque foi também o mais mortífero da história dos fogos florestais em Portugal e o 11° incêndio florestal mais mortífero a nível mundial. E porque Portugal é o sexto país onde mais se morre em grandes incêndios florestais.
É preciso apurar tudo o que houver para apurar, mas não ficar apenas por aí. É preciso mais prevenção e gerir as nossas matas de outra forma, ouvir o que os cientistas têm a dizer sobre a matéria e agir. Desta vez foram ceifadas muitas vidas: homens, mulheres e crianças. Temos três meses de verão pela frente, três meses de potenciais incêndios a gerir. Isto não pode acontecer nunca mais.
José Luís Correia,
in Contacto, 28/06/2017
Uma enorme onda de solidariedade para com as vítimas do incêndio em Pedrógão Grande varreu Portugal e as comunidades na última semana. No Luxemburgo foram muitos os que dedicaram a semana passada, incluindo serões, o feriado nacional luxemburguês e o fim de semana, em detrimento da família, da vida privada e até profissional, para trabalhar em prol das vítimas deste incêndio, reunindo bens e dinheiro, gerindo donativos e voluntários, multiplicando contactos para encontrar, numa primeira fase, locais de armazenamento para os produtos e pessoas para ajudar e, numa segunda fase, meios de transporte para levar tudo para Portugal. Um trabalho gigantesco, titânico, tentacular, que envolveu privados, associações, empresas e outras entidades, e se espalhou por todo o Grão-Ducado, de Mondorf a Differdange, de Belvaux a Dierkich.
Muitos foram também os luxemburgueses e estrangeiros que se solidarizaram, pois Portugal foi notícia em todos os media internacionais.
Espantoso quando se sabe que este movimento da sociedade civil nasceu, assim, de forma espontânea e cresceu exponencialmente ao longo dos dias. Incrível também o resultado, pelo tempo recorde para juntar tudo – cinco dias! – e enviar um camião e duas carrinhas para a zona sinistrada, e quando se sabe que mesmo depois dos pedidos para que as pessoas parem de dar bens, estes continuam a chegar, como se fosse mais fácil lançar esta “onda” do que pará-la.
A angariação dos donativos em dinheiro vai continuar até pelo menos meados de julho, com várias associações a juntarem-se naturalmente a este movimento e a aproveitarem as festas que já tinham agendadas para recolher fundos.
Parafraseando o Marquês de Pombal, depois de enterrados os mortos, agora é preciso cuidar dos vivos, que é exatamente para o que vão servir estes bens.
Para o Presidente da República, a prioridade agora é “acelerar a reconstrução”. Mas Marcelo sabe que mesmo se tudo indica que este foi um fogo que teve inicio devido a causas naturais é necessário “apurar tudo o que houver a apurar”.
Porque este não foi mais um incêndio florestal, foi o pior de todos! Arderam só naquele incêndio mais de 53 mil hectares de mata, quase metade de toda a área florestal ardida em todo o ano de 2016. Porque foi também o mais mortífero da história dos fogos florestais em Portugal e o 11° incêndio florestal mais mortífero a nível mundial. E porque Portugal é o sexto país onde mais se morre em grandes incêndios florestais.
É preciso apurar tudo o que houver para apurar, mas não ficar apenas por aí. É preciso mais prevenção e gerir as nossas matas de outra forma, ouvir o que os cientistas têm a dizer sobre a matéria e agir. Desta vez foram ceifadas muitas vidas: homens, mulheres e crianças. Temos três meses de verão pela frente, três meses de potenciais incêndios a gerir. Isto não pode acontecer nunca mais.
José Luís Correia,
in Contacto, 28/06/2017
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editoriais,
na imprensa
quinta-feira, 22 de junho de 2017
EDITORIAL no Contacto: Chamas, cinzas e luto
Como todos os anos quando há incêndios florestais, os portugueses ficam chocados e parecem acordar para uma calamidade que devora héctares de mata há décadas.
Mais uma vez, as chamas devastaram o jardim à beira-mar plantado. Jardim bem mal cuidado, de que falamos orgulhosamente mas carece de jardinagem e de jardineiro. Jardim do qual gabamos ao turista as bonitas flores, mas que basta este olhar melhor para ver as ervas daninhas. Matas onde se acumulam lixeiras ou aldeias sitiadas por labaredas não vendem postais.
A devastação que está a deixar o fogo que deflagrou no sábado no Pedrógão Grande – ainda não extinto à hora do fecho desta edição (após quatro dias!) –, faz já desta tragédia a mais pesada da história dos incêndios florestais em Portugal. As notícias das perdas humanas caíram como se fossem um eletrochoque junto dos portugueses. Um choque mais forte do que aqueles que nos sacodem nos verões em que morre um ou dois bombeiros, mas um eletrochoque que vem transvestido de uma falsa inocência. Porque mesmo se foram condições climatéricas invulgares que levaram ao início deste fogo, uma trovoada seca como dizem as autoridades, temos que nos questionar porque razão não sabemos lutar melhor contra esta calamidade que nos fustiga anualmente.
Questionemo-nos. Porque, afinal, somos todos culpados. Culpados de não fazer mais pressão junto do poder local e central que sabe há décadas que temos um país propenso aos fogos florestais. Culpados porque não denunciamos quem não limpa as suas próprias matas.
Culpados porque não condenamos o amigo que joga a beata de cigarro pela janela ao conduzir numa estrada pejada de um lado e de outro de eucaliptos, que são “autênticos bicos de gás acesos nas florestas” e só beneficiam a indústria madeireira, como denunciam os cientistas.
Culpados porque nos indignamos e comovemos nas redes sociais e nas televisões mas não agimos, não obrigamos o Governo a refundar o serviço dos guardas florestais, que foram integrados na GNR, a criar mais corporações de bombeiros profissionais, a revalorizar os bombeiros voluntários que ganham uns míseros 1,87 euros à hora e mesmo assim (a)correm, muitas vezes, para uma morte certa.
Culpados porque não questionamos o Executivo por que não investe em mais recursos humanos e materiais na prevenção de um holocausto (do grego “completamente queimado”) evitável.
Um pouco por todo o lado em Portugal, nas comunidades e também no Luxemburgo nascem movimentos solidários para com as vítimas dos incêndios.
Mas é essencial agir a montante e coragem política para implementar medidas que vão levar anos a ter efeito mas a termo farão recuar o número de fogos. É preciso investir na limpeza das matas e na reflorestação com espécies de árvores ditas “bombeiras”, que travam os incêndios, como os castanheiros, os carvalhos ou as bétulas. Também este é um investimento no turismo, mas sobretudo no futuro. Até agora, infelizmente, a política sempre optou pelas ações a curto prazo. Com o resultado que se vê.
José Luís Correia
in Contacto, 21/06/2017
Mais uma vez, as chamas devastaram o jardim à beira-mar plantado. Jardim bem mal cuidado, de que falamos orgulhosamente mas carece de jardinagem e de jardineiro. Jardim do qual gabamos ao turista as bonitas flores, mas que basta este olhar melhor para ver as ervas daninhas. Matas onde se acumulam lixeiras ou aldeias sitiadas por labaredas não vendem postais.
A devastação que está a deixar o fogo que deflagrou no sábado no Pedrógão Grande – ainda não extinto à hora do fecho desta edição (após quatro dias!) –, faz já desta tragédia a mais pesada da história dos incêndios florestais em Portugal. As notícias das perdas humanas caíram como se fossem um eletrochoque junto dos portugueses. Um choque mais forte do que aqueles que nos sacodem nos verões em que morre um ou dois bombeiros, mas um eletrochoque que vem transvestido de uma falsa inocência. Porque mesmo se foram condições climatéricas invulgares que levaram ao início deste fogo, uma trovoada seca como dizem as autoridades, temos que nos questionar porque razão não sabemos lutar melhor contra esta calamidade que nos fustiga anualmente.
Questionemo-nos. Porque, afinal, somos todos culpados. Culpados de não fazer mais pressão junto do poder local e central que sabe há décadas que temos um país propenso aos fogos florestais. Culpados porque não denunciamos quem não limpa as suas próprias matas.
Culpados porque não condenamos o amigo que joga a beata de cigarro pela janela ao conduzir numa estrada pejada de um lado e de outro de eucaliptos, que são “autênticos bicos de gás acesos nas florestas” e só beneficiam a indústria madeireira, como denunciam os cientistas.
Culpados porque nos indignamos e comovemos nas redes sociais e nas televisões mas não agimos, não obrigamos o Governo a refundar o serviço dos guardas florestais, que foram integrados na GNR, a criar mais corporações de bombeiros profissionais, a revalorizar os bombeiros voluntários que ganham uns míseros 1,87 euros à hora e mesmo assim (a)correm, muitas vezes, para uma morte certa.
Culpados porque não questionamos o Executivo por que não investe em mais recursos humanos e materiais na prevenção de um holocausto (do grego “completamente queimado”) evitável.
Um pouco por todo o lado em Portugal, nas comunidades e também no Luxemburgo nascem movimentos solidários para com as vítimas dos incêndios.
Mas é essencial agir a montante e coragem política para implementar medidas que vão levar anos a ter efeito mas a termo farão recuar o número de fogos. É preciso investir na limpeza das matas e na reflorestação com espécies de árvores ditas “bombeiras”, que travam os incêndios, como os castanheiros, os carvalhos ou as bétulas. Também este é um investimento no turismo, mas sobretudo no futuro. Até agora, infelizmente, a política sempre optou pelas ações a curto prazo. Com o resultado que se vê.
José Luís Correia
in Contacto, 21/06/2017
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sexta-feira, 16 de junho de 2017
HAIKONETO DIATRÍBICO
O poeta suturno quer amor e fama,
mas não tem chama.
Religiosamente escrevinha haikus,
Forja, finge, inventa inglórias e desterros.
Borboletas de luz
aproximam-se do buraco negro,
ficam presas, de asas queimadas no horizonte
de eventos onde nunca nada acontece.
JLC13062017
quinta-feira, 15 de junho de 2017
O QUE É O AMOR, AMOR?
Perguntaste-me “O que é o Amor, amor?”.
Eu sei que sabes, mas queres que eu diga.
E como posso não responder às tuas pupilas intranquilas,
quando ficam suspensas a aguardar a resposta dos meus lábios.
Eu balbucio, gaguejo, procuro as palavras
que se atropelam, vêm em frenético galope
ao som de um tambor tonitruante e nervoso
desde os vales verdejantes
que fizeste florescer no meu coração.
O corcel da frente pára de repente,
arfa, uma, duas vezes,
o seu olhar animal detém-se no teu
e repete para si mesmo: “O que é o Amor, amor?”
Há um silêncio longo
como a pausa interminável de um respirar.
Finalmente, a brisa que sopra levemente
quebra o instante surdo.
O corcel é agora alazão rampante,
nitra como metatrone, pujança gigantesca
que se ergue e que inteiro se sente,
força tranquila, plenitude serena,
ousadia destemida porque é capaz
de tudo.
Os seus músculos de adamastor
contorcem-se, dobram-se e desdobram-se
e abrem-se em asas vigorosas e gloriosas.
O Pégaso descola rumo aos céus,
rumo às estrelas.
O salto no vazio sem temer, o voo instintivo.
Os meus dedos acariciam o teu rosto
como se quisesse aprender os seus contornos
que já conheço, o desenho do teu nariz,
a cambraia dos teus lábios,
pousas a tua face na minha mão
como se tivesses chegado a casa.
E respondo: O Amor? O Amor és tu!,
e selo o que digo com um beijo.
E é beijar-te sem querer parar, e chegar-te a mim,
e fazeres parte dos meus braços.
E é o todas as canções de amor me falarem de ti,
e é o acordar com vontade dos teus olhos e da tua voz
e dos teus dedos nos meus, e da tua boca no meu peito...
é um querer-te bem sem saber de onde vem,
é simplesmente ser, deixar o sentimento acontecer,
deixar o coração ser mais do que mero músculo,
deixá-lo ir por aí, deixá-lo correr,
deixá-lo discutir com a razão e vencer.
E se nem a geografia nos quer,
se o planeta não encolhe,
se não posso espalmar os Alpes
num só revés de mão
e secar os rios e rasgar os lagos,
e aproximar os mares,
então o universo não faz sentido...
Mas os teus braços...
Os teus braços, os teus beijos
e os teus olhos e o teu corpo
são a minha rosa dos ventos,
a minha rota da seda,
o meu mapa de novos mundos
para além de mim.
O Amor é isso tudo
e tudo o que mais que não cabe aqui
e tudo o mais que não cabe em mim.
O Amor somos nós.
E isso a mim chega-me.
E se o que sinto por ti
e tu sentes por mim não é Amor,
então deveria ser,
porque não aceito outra explicação,
nem há outra definição.
AGW, 06062017
quinta-feira, 1 de junho de 2017
EDITORIAL: O repto dos 10 mil
No Luxemburgo, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, deixou um repto: se houver 10 mil novos portugueses inscritos nos cadernos eleitorais até 13 de julho, voltará ao Grão-Ducado antes do fim do ano.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, esteve em visita ao Grão-Ducado entre segunda e quinta-feira, durante três dias e meio. E meio, porque o hiperativo Marcelo, que chegou na segunda-feira às 20h ao Findel, noite em que não tinha encontros na agenda oficial, logo aceitou uma entrevista com o Contacto e a Rádio Latina, falou às televisões portuguesas que o seguiam como a sua sombra, aceitou um convite do grão-duque Henri para descobrir a cidade do Luxemburgo “by night”, passeio durante o qual meteu conversa com transeuntes e “puxou” o habitualmente reservado soberano luxemburguês para entrar num café português, onde num televisor passava um jogo do seu clube do coração, o Sporting de Braga.
Durante os três dias, Marcelo, apesar de uma agenda carregada, incansavelmente pediu, apelou, repetiu para que os portugueses se inscrevam nas listas eleitorais das suas comunas de residência, para poderem votar nas eleições municipais de 8 de outubro próximo. A data limite para a inscrição é 13 de julho.
Marcelo confiou estar triste e não compreender as razões que levam os portugueses a não utilizarem este direito que lhes assiste para serem uma força ainda maior na sociedade luxemburguesa. No último dia da sua visita [quinta-feira], perante representantes da comunidade reunidos no Centro Camões, em Merl, subiu o tom e disse que se zangaria com os seus conterrâneos se estes não se inscrevessem.
Horas mais tarde, na sua última intervenção pública antes de deixar o Luxemburgo e dirigindo-se aos milhares de portugueses que o tinham vindo ver a Wiltz, uma multidão em euforia que gritava o seu nome, sentiu que graças à sua popularidade podia ir ainda mais longe. E deixou um repto: se houver 10 mil novos portugueses inscritos até 13 de julho voltará ao Grão-Ducado antes do fim do ano.
Apesar da popularidade de que goza Marcelo, própria de uma estrela pop como pudemos testemunhar em Wiltz, será muito difícil a comunidade portuguesa conseguir levar a bom termo o desafio. Seria necessário que entre o dia do “apelo de Marcelo”, 25 de maio, e a data de fim das inscrições, 13 de julho, a cada dia se inscrevessem 208 portugueses nos cadernos eleitorais. Só fretando autocarros e carrinhas e levando os portugueses em grupo até às comunas...
Fora de piada, seria possível se cada português se inscrevesse na sua comuna para se tornar uma força a nível político assim como já o é no mundo do trabalho e da economia. Porque só votando contará para partidos e governantes, só com a força do voto poderá exigir mais direitos para si e para os seus filhos.
O direito de voto nas eleições comunais existe desde 1999. Apenas 17 mil portugueses, dos mais de 100 mil que aqui moram, estão inscritos. É pena. É possível mudar a situação? É! Basta querer.
José Luís Correia
in Contacto, 31.05.2017
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, esteve em visita ao Grão-Ducado entre segunda e quinta-feira, durante três dias e meio. E meio, porque o hiperativo Marcelo, que chegou na segunda-feira às 20h ao Findel, noite em que não tinha encontros na agenda oficial, logo aceitou uma entrevista com o Contacto e a Rádio Latina, falou às televisões portuguesas que o seguiam como a sua sombra, aceitou um convite do grão-duque Henri para descobrir a cidade do Luxemburgo “by night”, passeio durante o qual meteu conversa com transeuntes e “puxou” o habitualmente reservado soberano luxemburguês para entrar num café português, onde num televisor passava um jogo do seu clube do coração, o Sporting de Braga.
Durante os três dias, Marcelo, apesar de uma agenda carregada, incansavelmente pediu, apelou, repetiu para que os portugueses se inscrevam nas listas eleitorais das suas comunas de residência, para poderem votar nas eleições municipais de 8 de outubro próximo. A data limite para a inscrição é 13 de julho.
Marcelo confiou estar triste e não compreender as razões que levam os portugueses a não utilizarem este direito que lhes assiste para serem uma força ainda maior na sociedade luxemburguesa. No último dia da sua visita [quinta-feira], perante representantes da comunidade reunidos no Centro Camões, em Merl, subiu o tom e disse que se zangaria com os seus conterrâneos se estes não se inscrevessem.
Horas mais tarde, na sua última intervenção pública antes de deixar o Luxemburgo e dirigindo-se aos milhares de portugueses que o tinham vindo ver a Wiltz, uma multidão em euforia que gritava o seu nome, sentiu que graças à sua popularidade podia ir ainda mais longe. E deixou um repto: se houver 10 mil novos portugueses inscritos até 13 de julho voltará ao Grão-Ducado antes do fim do ano.
Apesar da popularidade de que goza Marcelo, própria de uma estrela pop como pudemos testemunhar em Wiltz, será muito difícil a comunidade portuguesa conseguir levar a bom termo o desafio. Seria necessário que entre o dia do “apelo de Marcelo”, 25 de maio, e a data de fim das inscrições, 13 de julho, a cada dia se inscrevessem 208 portugueses nos cadernos eleitorais. Só fretando autocarros e carrinhas e levando os portugueses em grupo até às comunas...
Fora de piada, seria possível se cada português se inscrevesse na sua comuna para se tornar uma força a nível político assim como já o é no mundo do trabalho e da economia. Porque só votando contará para partidos e governantes, só com a força do voto poderá exigir mais direitos para si e para os seus filhos.
O direito de voto nas eleições comunais existe desde 1999. Apenas 17 mil portugueses, dos mais de 100 mil que aqui moram, estão inscritos. É pena. É possível mudar a situação? É! Basta querer.
José Luís Correia
in Contacto, 31.05.2017
sábado, 27 de maio de 2017
Senaita
- Qual é o restaurante onde disseste que ias esta noite?
- É um que tem "senaita" na ementa.
- Isso é o quê?
- É um prato gourmet.
- Mas é carne ou é peixe?
- É!
- Hã?
quarta-feira, 24 de maio de 2017
Editorial no Contacto: Todos os caminhos vão dar a Wiltz
Mercê de uma vontade conjunta entre os chefes de Estado de Portugal e do Luxemburgo, na quinta-feira todos os caminhos vão dar a Wiltz, uma localidade que é um dos símbolos do que une luxemburgueses e portugueses.
No último editorial falava aqui de confluências que tinham criado um momento especial para Portugal. Parece que a triangulação cósmica raiou até ao Grão-Ducado e que o Presidente da República português é o portador desse facho de luz. A comunidade portuguesa do Luxemburgo terá assim também o seu momento especial.
Mercê de uma vontade comum entre chefes de Estado dos dois países, na quinta-feira todos os caminhos vão dar a Wiltz. Caminhos espirituais, sendas de fé, efemérides históricas e os passos despojados dos peregrinos. A pequena localidade do norte do país, que já é todos os anos na Quinta-Feira da Ascensão a Roma(ria) privilegiada dos fiéis portugueses e lusófonos, promete brilhar ainda mais este ano.
Os grão-duques Henri e Maria Teresa querem homenagear a comunidade portuguesa e encontraram na visita de Marcelo Rebelo de Sousa a ocasião perfeita para o fazer. Vão estar assim a acompanhar Marcelo a Wiltz, depois de já há alguns anos não participarem na peregrinação de Nossa Senhora de Fátima. Marcelo, que há muito queria visitar Wiltz, localidade geminada com Celorico de Basto, terra à qual está muito ligado afetivamente, pois são dali naturais seus avós paternos, disse logo que sim. É o que confia o próprio Presidente da República, em entrevista ao Contacto (edição de 24 de maio 2017). Junta-se o útil e o agradável ao simbólico.
Porque não há apenas o facto de Nossa Senhora ser em simultâneo padroeira de Portugal e do Grão-Ducado. Recorde-se que foi graças à grã-duquesa Mariana de Bragança, que teve apenas filhas com o grão-duque Guillaume IV, que hoje a Corte e o país são profundamente católicos.
Os chefes de Estado escolheram estar em Wiltz num ano em que se celebra simultaneamente os 50 anos da peregrinação ao norte do Luxemburgo e o centésimo das aparições em Fátima. Para lembrar a todos – portugueses e luxemburgueses – os laços que ligam os dois países, laços de sangue (o grão-duque tem duas bisavós portuguesas), de fé (Fátima), e de apego a uma terra, Wiltz, e por extensão, ao Grão-Ducado.
Wiltz que é por si só um símbolo do que liga luxemburgueses e portugueses, no que transportam de mais íntimo em si, a fé. Um santuário mandado construir por luxemburgueses em 1952, para cumprir uma promessa feita a Nossa Senhora de Fátima em 1945, a que os portugueses vieram, desde o final dos anos 60, a dar uma projeção nacional e internacional (vêm peregrinos de todos os países vizinhos do Grão-Ducado para a peregrinação). Como para mostrar que os portugueses pegaram no testemunho dos luxemburgueses e, tomando-o como seu, o sublimaram. Há melhor forma de mostrar que o que nos une é mais forte e mais profundo do que o que nos separa e diferencia?
José Luís Correia
24/05/2017 in Contacto
No último editorial falava aqui de confluências que tinham criado um momento especial para Portugal. Parece que a triangulação cósmica raiou até ao Grão-Ducado e que o Presidente da República português é o portador desse facho de luz. A comunidade portuguesa do Luxemburgo terá assim também o seu momento especial.
Mercê de uma vontade comum entre chefes de Estado dos dois países, na quinta-feira todos os caminhos vão dar a Wiltz. Caminhos espirituais, sendas de fé, efemérides históricas e os passos despojados dos peregrinos. A pequena localidade do norte do país, que já é todos os anos na Quinta-Feira da Ascensão a Roma(ria) privilegiada dos fiéis portugueses e lusófonos, promete brilhar ainda mais este ano.
Os grão-duques Henri e Maria Teresa querem homenagear a comunidade portuguesa e encontraram na visita de Marcelo Rebelo de Sousa a ocasião perfeita para o fazer. Vão estar assim a acompanhar Marcelo a Wiltz, depois de já há alguns anos não participarem na peregrinação de Nossa Senhora de Fátima. Marcelo, que há muito queria visitar Wiltz, localidade geminada com Celorico de Basto, terra à qual está muito ligado afetivamente, pois são dali naturais seus avós paternos, disse logo que sim. É o que confia o próprio Presidente da República, em entrevista ao Contacto (edição de 24 de maio 2017). Junta-se o útil e o agradável ao simbólico.
Porque não há apenas o facto de Nossa Senhora ser em simultâneo padroeira de Portugal e do Grão-Ducado. Recorde-se que foi graças à grã-duquesa Mariana de Bragança, que teve apenas filhas com o grão-duque Guillaume IV, que hoje a Corte e o país são profundamente católicos.
Os chefes de Estado escolheram estar em Wiltz num ano em que se celebra simultaneamente os 50 anos da peregrinação ao norte do Luxemburgo e o centésimo das aparições em Fátima. Para lembrar a todos – portugueses e luxemburgueses – os laços que ligam os dois países, laços de sangue (o grão-duque tem duas bisavós portuguesas), de fé (Fátima), e de apego a uma terra, Wiltz, e por extensão, ao Grão-Ducado.
Wiltz que é por si só um símbolo do que liga luxemburgueses e portugueses, no que transportam de mais íntimo em si, a fé. Um santuário mandado construir por luxemburgueses em 1952, para cumprir uma promessa feita a Nossa Senhora de Fátima em 1945, a que os portugueses vieram, desde o final dos anos 60, a dar uma projeção nacional e internacional (vêm peregrinos de todos os países vizinhos do Grão-Ducado para a peregrinação). Como para mostrar que os portugueses pegaram no testemunho dos luxemburgueses e, tomando-o como seu, o sublimaram. Há melhor forma de mostrar que o que nos une é mais forte e mais profundo do que o que nos separa e diferencia?
José Luís Correia
24/05/2017 in Contacto
Poema ao Meu Amor Nunca
Ao meu amor único
porque foste única
como o único amor que fizemos
esse amor que tanto renegámos
esse amor que não queríamos
de tanto o querer
esse amor do qual ríamos
esse amor que amordaçámos
durante tanto tempo.
Esse amor foste tu
sem que eu nunca o proclamasse
sem que tu nunca o proferisses
e, no entanto, em tudo o que dizias,
em tudo o que fazíamos,
até no amor que díziamos não ser,
esse amor era e ardia.
E como ardia...
Nós sabíamos,
mas não queríamos.
Mas o amor tem quereres
e quer lá saber de nós.
Esse amor foste tu
esse amor foste tudo
tão pleno, tão inteiro,
nasceu tão espontâneo e natural
como dois estranhos
que se tivessem reconhecido
ao passar um pelo outro
no meio da multidão.
Tu, tão tu, simplesmente tu,
tão inteiramente tu,
e deste-te assim a mim
nua, despojada, entregue, verdadeira,
já sem máscaras... há maior dádiva?
E contigo pude ser eu,
mais eu do que jamais fui
mais eu do que jamais ousei ser
mais eu que até me desconhecia.
Esse amor foste tu
esse amor que dei de barato
numa madrugada perdida.
Esse amor que neguei
só o reconheci depois de já não o ter,
depois de já não te ter.
Ao meu amor nunca, que foi muito mais do que nenhum outro.
Alexandre Gaspar Weytjens, 03-04/2017 -
domingo, 21 de maio de 2017
Agnieska
- Hum, a tua barba cheira tão bem, que fragrância é?
E acariciou-me docemente o queixo com uma mão, aproximou o seu rosto do meu, beijou-me a barba, deixando os lábios deslizar devagar pelos pêlos, com deleite, e voltou a beijar.
- Baunilha, acho que é baunilha...,
balbuciei eu, e procurei a sua boca, nasceu um beijo morno, e depois outro, e a minha língua descobriu a sua. As minhas mãos correram-lhe o corpo colado ao meu, arregaçaram-lhe o vestido branco até à cintura, e a minha língua ainda girava na sua quando os meus dedos escorregaram renda abaixo e a penetraram...
Mordeu-me o lábio inferior, agarrou-se aos meus ombros, e soltou um gemido contido...
- Não te contenhas, solta-te...
O vestido tinha voado e dois mamilos, como duas rosáceas em flor, observavam-me com espanto quando os engoli de um só trago. A sua pele era quente, doce, macia e cheirava a pimenta. Quando ela se sentou em mim era como se o meu corpo já conhecesse o seu. Agora, aqui jaz, o descanso da guerreira, silhueta curvilínea que se estende ao longo da minha, coxas demasiado grandes, nádegas bem desenhadas que recuam durante o sono e procuram a concha do meu corpo para se abrigar, o conforto da posição, a coluna vertebral saliente divide as costas como se serpenteasse, os ombros alvos de beijar e também eu adormeço...
AGW, 14042017
E acariciou-me docemente o queixo com uma mão, aproximou o seu rosto do meu, beijou-me a barba, deixando os lábios deslizar devagar pelos pêlos, com deleite, e voltou a beijar.
- Baunilha, acho que é baunilha...,
balbuciei eu, e procurei a sua boca, nasceu um beijo morno, e depois outro, e a minha língua descobriu a sua. As minhas mãos correram-lhe o corpo colado ao meu, arregaçaram-lhe o vestido branco até à cintura, e a minha língua ainda girava na sua quando os meus dedos escorregaram renda abaixo e a penetraram...
Mordeu-me o lábio inferior, agarrou-se aos meus ombros, e soltou um gemido contido...
- Não te contenhas, solta-te...
O vestido tinha voado e dois mamilos, como duas rosáceas em flor, observavam-me com espanto quando os engoli de um só trago. A sua pele era quente, doce, macia e cheirava a pimenta. Quando ela se sentou em mim era como se o meu corpo já conhecesse o seu. Agora, aqui jaz, o descanso da guerreira, silhueta curvilínea que se estende ao longo da minha, coxas demasiado grandes, nádegas bem desenhadas que recuam durante o sono e procuram a concha do meu corpo para se abrigar, o conforto da posição, a coluna vertebral saliente divide as costas como se serpenteasse, os ombros alvos de beijar e também eu adormeço...
AGW, 14042017
sábado, 20 de maio de 2017
CHEGA A NOITE
Chega a noite, essa insidiosa amante que tudo nos susurra o que não quisemos ouvir. Causa favor nos nossos corações humanos, tão contrária a si mesma, porque só assim tudo faz sentido. E os amantes e os verbos negados pelo silêncio dos lábios, amordaçados, sequestrados pelo vazio do não-ser, não suportam mais existirem apenas entre os interstícios dos átomos e, longe dos barulhos do mundo e do bem-parecer, gritam, proclamam: Eu sou!
AGW19042017
sexta-feira, 19 de maio de 2017
PEGA EM MIM
Pega em mim e vamos fugir de ti
vamos para outro lugar mais leve.
Leva-me contigo
apaguemos a lembrança deste tempo
leva-me pelas margens do Lethes
esse rio do esquecimento
mata-me as minhas sedes
onde seremos felizes
sem memória sem medo,
sem passado e sem história
e onde pudermos libertar
esta insustentável vontade de ser.
Leva-me pela mão sem tremer
pelas planícies da tua ousadia
anda, vem viver tudo
o que a tua coragem temia.
Pega em mim e vamos fugir de ti
vamos para outro lugar
mais leve que o ar
mais leve que a vida
mais leve que o ser
e que esta insustentável
vontade de foder.
AGW 29042017
Dessin: frimousse67/center blog
quinta-feira, 18 de maio de 2017
EDITORIAL: A vitória do anti-herói
Os portugueses continuam a precisar de heróis. No sábado, o cosmos conspirou para que uma sequência de acontecimentos felizes prometessem à pátria lusa um novo 13 de maio, uma epifania, um novo salvador. Portugal, país de fé.
E o universo parece ter-se dobrado à nossa vontade e concedeu-nos alguns instantes felizes e inesquecíveis no tempo. O jardim à beira-mar plantado, que tantas vezes acha que é mero quintal das traseiras, que se sente esquecido, olvidado, foi central. Pelo menos, durante 24 horas.
O Papa mostrou que Fátima é um dos maiores santuários católicos e isto perante o mundo e mais de um milhão de peregrinos. Para muitos, corrigiu uma injustiça: canonizou os pastorinhos Francisco e Jacinta, legitimando-os assim perante a Igreja e o mundo católico. Ao mesmo tempo, legitimou as aparições da Cova da Iria de 1917, que continuam a não obter consenso no próprio Vaticano.
Nessa mesma noite, os olhos e os corações lusos viraram-se para Kiev e desejaram e acreditaram num milagre completamente diferente. Há mais de meio século – 53 anos! – que os melhores compositores e músicos do "país dos poetas" concorrem ao Festival Eurovisão da Canção. Em vão. Nem ao top 5 chegaram. Outros países recém-chegados – arrivistas, dizem os nossos paladinos nacionais, invejosos que o rock ucraniano seja preferido à canção lusa –, “vendem-se” à língua inglesa e granjeiam o troféu. É a Letónia, a Turquia, o Azerbaijão, até a chauvinista França, que não vence desde 1977 (e nesse venceu graças à franco-portuguesa Marie Myriam), se faz agora representar no idioma de Shakespeare.
A imprensa e a elite portuguesas foram-se assim desinteressando do festival, por onde passaram nomes como France Gall, Julio Iglesias, Olivia Newton-John, Abba, Céline Dion ou Lara Fabian, mas que por ser um palco padastro passou a ser kitsch, piroso, inomável. A verdade é que a profusão de lantejoulas e o europop simplório que por ali pululam ainda hoje não ajudam a retirar-lhe essa fama.
Portugal manteve-se orgulhosamente só e fiel a cantar na sua língua. E eis que surge um novo bardo, primeiro troçado, depois encorajado, finalmente coroado. Vestiram-lhe as vestes sebastianistas, visivelmente demasiado largas para aqueles ombros frágeis. O nome parecia predestinado para salvar a honra lusa e até, quiçá, cumprir o Quinto Império. Quanta responsabilidade!
A verdade é que nem Portugal nem o Eurofestival precisam de heróis, apenas de simplicidade, de música genuína, de canções sem refrões bacocos, que isso é o suficiente para vencer e convencer até as plateias mais desvirtuadas pela indústria musical, que pensa saber o que o público gosta.
Talvez a Eurovisão mude de paradigma, e talvez agora as rádios portuguesas abram o espartilho do seu airplay a músicos como Salvador. Não precisamos de heróis, apenas de genuinidade. Foi essa a lição que Salvador nos deu.
A completar a coroa de glória, mas apenas para quem é benfiquista, o clube da Luz festejou o “tetra” e o 36° título nacional com uma megafesta no Marquês, onde a canção do Salvador também foi entoada.
José Luís Correia, 17/05/2017
in Contacto
E o universo parece ter-se dobrado à nossa vontade e concedeu-nos alguns instantes felizes e inesquecíveis no tempo. O jardim à beira-mar plantado, que tantas vezes acha que é mero quintal das traseiras, que se sente esquecido, olvidado, foi central. Pelo menos, durante 24 horas.
O Papa mostrou que Fátima é um dos maiores santuários católicos e isto perante o mundo e mais de um milhão de peregrinos. Para muitos, corrigiu uma injustiça: canonizou os pastorinhos Francisco e Jacinta, legitimando-os assim perante a Igreja e o mundo católico. Ao mesmo tempo, legitimou as aparições da Cova da Iria de 1917, que continuam a não obter consenso no próprio Vaticano.
Nessa mesma noite, os olhos e os corações lusos viraram-se para Kiev e desejaram e acreditaram num milagre completamente diferente. Há mais de meio século – 53 anos! – que os melhores compositores e músicos do "país dos poetas" concorrem ao Festival Eurovisão da Canção. Em vão. Nem ao top 5 chegaram. Outros países recém-chegados – arrivistas, dizem os nossos paladinos nacionais, invejosos que o rock ucraniano seja preferido à canção lusa –, “vendem-se” à língua inglesa e granjeiam o troféu. É a Letónia, a Turquia, o Azerbaijão, até a chauvinista França, que não vence desde 1977 (e nesse venceu graças à franco-portuguesa Marie Myriam), se faz agora representar no idioma de Shakespeare.
A imprensa e a elite portuguesas foram-se assim desinteressando do festival, por onde passaram nomes como France Gall, Julio Iglesias, Olivia Newton-John, Abba, Céline Dion ou Lara Fabian, mas que por ser um palco padastro passou a ser kitsch, piroso, inomável. A verdade é que a profusão de lantejoulas e o europop simplório que por ali pululam ainda hoje não ajudam a retirar-lhe essa fama.
Portugal manteve-se orgulhosamente só e fiel a cantar na sua língua. E eis que surge um novo bardo, primeiro troçado, depois encorajado, finalmente coroado. Vestiram-lhe as vestes sebastianistas, visivelmente demasiado largas para aqueles ombros frágeis. O nome parecia predestinado para salvar a honra lusa e até, quiçá, cumprir o Quinto Império. Quanta responsabilidade!
A verdade é que nem Portugal nem o Eurofestival precisam de heróis, apenas de simplicidade, de música genuína, de canções sem refrões bacocos, que isso é o suficiente para vencer e convencer até as plateias mais desvirtuadas pela indústria musical, que pensa saber o que o público gosta.
Talvez a Eurovisão mude de paradigma, e talvez agora as rádios portuguesas abram o espartilho do seu airplay a músicos como Salvador. Não precisamos de heróis, apenas de genuinidade. Foi essa a lição que Salvador nos deu.
A completar a coroa de glória, mas apenas para quem é benfiquista, o clube da Luz festejou o “tetra” e o 36° título nacional com uma megafesta no Marquês, onde a canção do Salvador também foi entoada.
José Luís Correia, 17/05/2017
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domingo, 14 de maio de 2017
sábado, 13 de maio de 2017
Elle s'est finalement déshabillé...
Elle s'est finalement déshabillé et m'a dit: "Tu ne tombes pas amoureux, hein!" Nous avons fait l'amour plusieurs fois ce week-end là. J'ai compris bien plus tard que l'avertissement elle le faisait a elle-même. Mais moi aussi j'en suis sorti blessé. Blessé en moi-même de ne pas pouvoir sentir pour elle ce qu'elle sentait pour moi...
Gomas de cereja
Cândido esplendor
tudo menos inocente
madrugada da minha perdição
foste relâmpago que me atravessou na noite escura
fogo que me arrancou do chão, luz tão pura,
sol a deflagrar sobre os meus oceanos
ventania que se alevantou sobre a minha plenitude
tempestade, terramoto, richter sete
o meu peito a rebentar em mosquete
pelotão de fuzilamento em riste
o 'teio' em desalinho
numa noite de desatino
e eu de peito rendido.
Como pode um coração ter dois amores
o teu, o meu, tão imperfeitos estes corações.
A mecânica imperfeita, desconcertada,
e nós à procura do conserto, do concerto, do que é certo...
Mas o amor quer lá saber,
o amor só tem quereres.
Como se o Amor fizesse sentido.
Tão tolos, tão loucos...
E nós, que queríamos tudo,
de tanto querer, quase fomos,
quase somos, quase-amor,
quase-vontade, quase tudo,
fomos quase nada.
E nós, que queríamos tudo,
este tanto-querer foi demais
chegou cedo, chegou tarde,
não chegou a ser.
Mas tu és, goma de cereja,
janela em flor, menina-sorriso,
olhos doces, gargalhada luminosa e genuína,
que mais posso eu querer do amor?
Juntos à beira do precipício,
a vertigem, o medo.
Vem, voa comigo! Saltei sozinho.
Ah, mas o voo...
E a queda vem sempre depois.
Enquanto não bater no chão, estou bem.
Menina, quanto tempo dura este voo?
E o que sobrou são gomas que guardei para ti
para te dar numa manhã de primavera que não aconteceu.
Alexandre Gaspar Weytjens, 03-04/2017
quinta-feira, 11 de maio de 2017
EDITORIAL: A França em marcha
Emmanuel Macron toma posse no domingo como oitavo Presidente da V República francesa, tornando-se o chefe de Estado mais novo de sempre do Hexágono.
Muitos veem nele a evolução e a revolução de que o país precisa, outros temem o resvalar num ultraliberalismo desenfreado. Uma leitura rápida do seu programa eleitoral dá-nos um vislumbre das suas linhas políticas nos próximos cinco anos.
A nível europeu, Macron quer ser o “desfibrilhador” da UE e relançar o bater do coração da Europa, i.e., o eixo Paris-Berlim, como resposta ao infarto que foi o Brexit, defende ainda a criação de um parlamento para a zona euro e a constituição de um fundo europeu para a defesa.
A nível doméstico, Macron quer: baixar os impostos às empresas, cortar no subsídio de desemprego, deixar de tributar as horas extraordinárias, “flexibilizar” a contratação e dispensa de trabalhadores, abolir o imposto predial para 80% dos lares, investir 15 mil milhões de euros na transição ecológica para reduzir a “dependência” do nuclear, contratar dez mil polícias, atribuir 15 mil milhões de euros à formação, criar cinco mil postos de docentes, reduzindo o número de alunos nas turmas a dezena e meia, cortar 120 mil empregos na administração pública, “ajustar” o sistema de pensões da Função Pública ao do setor privado, e, simultaneamente, aumentar a idade da reforma.
Mas, para isto tudo, Macron precisa de um Governo de maioria do seu lado. Depois do resultado que obteve domingo deverá, sem surpresas, alcançar essa maioria confortável nas legislativas de junho. O seu movimento “En Marche” transformou-se em partido na segunda-feira com o nome de “La République En Marche!” e a ele deverão aderir membros dos partidos tradicionais da esquerda e da direita. Se não o fizerem mostrar-se-ão incoerentes com o que defenderam entre a primeira e a segunda volta.
A França de Macron está em marcha. A pergunta é: que tipo de marcha? Os sindicatos franceses dizem-se atentos e prontos a lutar contra qualquer recuo a nível social.
Entretanto, na Frente Nacional (FN) respira-se um ar de pólvora, de implosão ou, pelo menos, de contestação da líder. Marine Le Pen não é afinal tão consensual como parecia desde o afastamento do pai, Jean-Marie. No domingo à noite, vozes no partido começaram a elevar-se e a criticar o seu exercício falhado no debate de quarta-feira frente a Macron, onde Marine perdeu a eleição, acusam. E aventam já o nome da sua sobrinha, Marion, por quem Marine nutre um ódio visceral, como em todas as boas famílias com egos sobredimensionados, para lhe suceder na liderança. Marine, que no domingo disse que a FN é já “o maior partido da oposição”, quer mudar o nome do partido, chegar a mais “patriotas” e provar que o resultado das presidenciais se pode refletir e até ampliar nas legislativas. Desse resultado pode depender o seu futuro na FN e a estratégia do partido para as presidenciais de 2022.
José Luís Correia, in Contacto, 10.05.2017
Muitos veem nele a evolução e a revolução de que o país precisa, outros temem o resvalar num ultraliberalismo desenfreado. Uma leitura rápida do seu programa eleitoral dá-nos um vislumbre das suas linhas políticas nos próximos cinco anos.
A nível europeu, Macron quer ser o “desfibrilhador” da UE e relançar o bater do coração da Europa, i.e., o eixo Paris-Berlim, como resposta ao infarto que foi o Brexit, defende ainda a criação de um parlamento para a zona euro e a constituição de um fundo europeu para a defesa.
A nível doméstico, Macron quer: baixar os impostos às empresas, cortar no subsídio de desemprego, deixar de tributar as horas extraordinárias, “flexibilizar” a contratação e dispensa de trabalhadores, abolir o imposto predial para 80% dos lares, investir 15 mil milhões de euros na transição ecológica para reduzir a “dependência” do nuclear, contratar dez mil polícias, atribuir 15 mil milhões de euros à formação, criar cinco mil postos de docentes, reduzindo o número de alunos nas turmas a dezena e meia, cortar 120 mil empregos na administração pública, “ajustar” o sistema de pensões da Função Pública ao do setor privado, e, simultaneamente, aumentar a idade da reforma.
Mas, para isto tudo, Macron precisa de um Governo de maioria do seu lado. Depois do resultado que obteve domingo deverá, sem surpresas, alcançar essa maioria confortável nas legislativas de junho. O seu movimento “En Marche” transformou-se em partido na segunda-feira com o nome de “La République En Marche!” e a ele deverão aderir membros dos partidos tradicionais da esquerda e da direita. Se não o fizerem mostrar-se-ão incoerentes com o que defenderam entre a primeira e a segunda volta.
A França de Macron está em marcha. A pergunta é: que tipo de marcha? Os sindicatos franceses dizem-se atentos e prontos a lutar contra qualquer recuo a nível social.
Entretanto, na Frente Nacional (FN) respira-se um ar de pólvora, de implosão ou, pelo menos, de contestação da líder. Marine Le Pen não é afinal tão consensual como parecia desde o afastamento do pai, Jean-Marie. No domingo à noite, vozes no partido começaram a elevar-se e a criticar o seu exercício falhado no debate de quarta-feira frente a Macron, onde Marine perdeu a eleição, acusam. E aventam já o nome da sua sobrinha, Marion, por quem Marine nutre um ódio visceral, como em todas as boas famílias com egos sobredimensionados, para lhe suceder na liderança. Marine, que no domingo disse que a FN é já “o maior partido da oposição”, quer mudar o nome do partido, chegar a mais “patriotas” e provar que o resultado das presidenciais se pode refletir e até ampliar nas legislativas. Desse resultado pode depender o seu futuro na FN e a estratégia do partido para as presidenciais de 2022.
José Luís Correia, in Contacto, 10.05.2017
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