sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Soprano Rita Matos Alves afirma: "A ópera conjuga as minhas duas grandes paixões, o canto e o teatro"

Foto: Manuel Dias
O porte é majestoso mas delicado, a pose é sensual ma non troppo, o vestido azul marinho é elegante, o véu fragil do mesmo tom cobre-lhe os ombros e dá-lhe um ar de prima donna. Só o sorriso largo, sincero e allegro a trai, já que as prima donnas são inacessíveis e Rita Matos Alves é o contrário disso, além da bela donna ser dona de uma bela e potente voz.

Um ano e meio depois de ter estado no Luxemburgo integrando o elenco da ópera "A Flauta Mágica" de Mozart, Rita Matos Alves regressou 5 de Novembro para um recital do Foyer Européen que decorreu na sala da loja "Pianos Kléber", na capital.

"O objectivo do recital era dar uma amostra de alguns compositores que foram muito importantes no século XX português como Vianna da Motta ou Francisco de Lacerda, mas também outros menos famosos como António Fragoso, que teve uma vida muito curta, morreu aos 21 anos, mas era já considerado um dos grandes. Escolhi também canções do Croner de Vasconcelos e do Victor Macedo Pinto, que são talvez menos conhecidos mas também são mais recentes e mais modernos".

"A escolha das canções foi minha, mas dependeu sobretudo das pautas que consegui encontrar. Eu queria interpretar canções do Luís de Freitas Branco, mas não consegui encontrar as pautas", lamenta Rita num sorriso. "Há poucas pautas de música editadas em Portugal. Outras canções escolhi porque o poema era de Camões, Pessoa, Almeida Garrett, João de Deus ou Guerra Junqueiro e eu também queria dar a conhecer esses autores ao público", diz.

Rita explica ainda que muitas das canções que trouxe evocam a Belle Époque , foram compostas como música erudita, para voz e piano, mesmo se algumas ficaram depois famosas com arranjos para fado, como algumas dos temas de Fragoso, que se tornaram fados conhecidos na voz de Adriano Correia de Oliveira. No "bis", Rita cantou dois fados, "Foi Deus" e "O Fado da Mariquinhas".

Ao CONTACTO a artista afirma que gosta e que cresceu a ouvir cantar fado, o pai já cantava e ia às casas de fado com ela, e Rita revela mesmo que a primeira vez que cantou em público foi um fado. Portugal perdeu uma grande fadista ou a ópera ganhou uma grande soprano? Rita confia não lamentar não ter sido fadista porque verdadeiramente adora a carreira que seguiu. Até porque a ópera conjuga as suas duas "grandes paixões", o teatro e o canto.

"Eu adoro teatro", diz num sussurro, "e contracenar é o máximo", ri-se. "E o canto clássico permite cantar tantas coisas diferentes, de muitas épocas, em muitas línguas, há tantas possibilidades." Apesar de ainda jovem, a carreira de Rita Matos Alves tem seis anos e já muitas óperas famosas no currículo. No entanto, a soprano revela que gostaria de tentar o "bel canto", em obras de Donizetti, como "Don Pasquale" ou "Elixir do Amor", ou em "A Sonâmbula", de Vincenzo Bellini, "em que há um grande lirismo de que gosto muito".

José Luís Correia 
(in Jornal CONTACTO, 13/11/2013)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Às urnas, trabalhadores!

Na próxima quarta-feira, dia 13 de Novembro, têm lugar as Eleições Sociais no Luxemburgo. Mas o que são as eleições sociais?

É uma votação através da qual os trabalhadores – todos os trabalhadores, residentes ou fronteiriços, desde que trabalhem no Grão-Ducado –, podem eleger "o seu Parlamento".

Este "Parlamento dos Trabalhadores" chama-se "Chambre des Salariés" (Câmara dos Assalariados) e ao votarem os trabalhadores vão estar a eleger os seus representantes, por sector de actividade, junto desta instituição. Há muitos portugueses candidatos. Nas empresas de construção civil os delegados portugueses ultrapassam mesmo os 80 % dos candidatos.

Composto por 60 membros (à semelhança do Parlamento luxemburguês, mas a comparação acaba aqui!), a Câmara dos Assalariados tem como missão, entre outras, dar pareceres ao Governo sobre legislação laboral e social. Tradução: é um órgão de consulta do Governo e os seus pareceres não são obrigatórios.

Os trabalhadores receberam há semanas, por correio, em casa, os boletins de voto. Nestes, podem votar nas listas e nos representantes que cada sindicato apresenta no sector de actividade em que o trabalhador está empregado. O boletim de voto deve ser reenviado à comissão eleitoral e chegar antes da data do sufrágio.

Em paralelo, decorrem também as eleições para a escolha das delegações de pessoal, mas apenas nas empresas com mais de 15 trabalhadores. Há empresas com mais de 15 trabalhadores e que não possuem delegações que representam os empregados, mas legalmente qualquer trabalhador dessas empresas pode constituir uma delegação do pessoal, se a empresa possuir o número mínimo de trabalhadores.

Porque é que é tão importante participar nas eleições sociais?

Primeiro, porque é um direito que temos e que não devemos deixar extraviado por mãos alheias. Os trabalhadores de outros países não têm a possibilidade de eleger representantes dos trabalhadores para um órgão que pode intervir junto do Governo. E, já que trabalhamos num país que nos dá essa "arma", utilizemo-la então! Não nos queixemos apenas das condições de trabalho, do excesso de horas laborais, do patrão, das leis sociais! Votemos!

Às urnas, trabalhadores!

Quanto mais pesarem os representantes que elegermos, mais temos a possibilidade de fazer ouvir as nossas vozes e as nossas reivindicações laborais e sociais junto de quem decide.

Enquanto estrangeiros, mesmo residentes, não podemos votar para o Parlamento. Das 530 mil pessoas que vivem no Grão-Ducado, apenas 238 mil podiam votar nas últimas legislativas de 20 de Outubro. Ou seja, a 43 % da população ficou vedado o direito de eleger os representantes dos cidadãos no Parlamento, mesmo se as leis que este órgão de soberania aprova se aplicam a todos os cidadãos. Não somos nós cidadãos como os outros?

Talvez com o novo Governo as coisas mudem nesse plano. Ou talvez não mudem!

Utilizemos então a "arma" do voto nestas eleições sociais. Neste sufrágio somos maioritários e temos o direito de participar. Nós, os estrangeiros. Apenas um terço da massa salarial é luxemburguesa. Dos 362 mil trabalhadores que há no Grão-Ducado, 104 mil são nacionais, 87 mil são estrangeiros residentes e 160 mil são fronteiriços. Ou seja, 247 mil trabalhadores são estrangeiros, com os portugueses a representarem um quarto desse número.

É um magro consolo, bem sei, mas temos que aproveitar esta ocasião para participar na sociedade a que pertencemos, já que não o podemos fazer nas legislativas.

Dito isto, não me interpretem de forma errada: não troco um pelo outro, nem o direito de voto nas eleições sociais me demove de pensar que devemos continuar a reivindicar a participação nas legislativas, enquanto cidadãos de pleno direito deste país, que contribuem para a sua riqueza económica, cultural, social e em muitos outros aspectos da vida quotidiana, e que eleger o Parlamento não é um privilégio a que almejamos, mas um direito democrático que nos assiste.

Por último, e talvez a razão mais importante, é vital votarmos nestas eleições sociais porque o futuro que se desenha no Luxemburgo é incerto. O Grão-Ducado já não é uma "ilha" e a crise chegou mesmo a todos os sectores de actividade neste país que muitos consideravam imune às ondas de choque internacionais. Quem vai pegar no leme nesta fase de navegação à vista no mar tenebroso da crise? O tempo da bonança ainda parece longínquo.

O Governo liberal-socialista-verde que se prepara, no preciso momento em que escrevo, e que nos vai governar durante cinco anos, terá contornos mais neoliberais ou mais socialistas? Os Verdes, tradicionalmente à esquerda, vão deixar tingir-se pelos colegas de coligação? Como vai evoluir a carga horária dos trabalhadores, o pagamento das horas extraordinárias, o ordenado mínimo, a indexação dos salários, os abonos de família, os benefícios sociais?

Claro que não sabemos responder a estas questões, mas ter os representantes que elegemos na Câmara dos Assalariados a defender os nossos interesses, nos próximos cinco anos, é uma das formas de assegurarmos que, pelo menos, alguém lutará aí por esses nossos direitos.

José Luís Correia
(Editorial no Jornal CONTACTO, de 06/11/2013)