sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

terça-feira, 19 de junho de 2012

19 de Junho - Conversas entre o céu e o mar

Praia de Faro.

Quero isto o ano inteiro: uma mesa e uma cadeira à beira-mar para ler, para escrever, para ficar a ouvir conversar o céu e o mar.

É um bocado desesperante, perto dos 40, saber que estou longe de alguns dos sonhos que me quis: uma casa numa encosta sobre o mar, com janelas grandes sobre a linha do horizonte, uma família, crianças a brincar à minha volta, o riso de as pegar ao colo por surpresa, os meus livros publicados em cima de uma mesa de madeira da Índia, a minha biblioteca à minha volta num grande escritório luminoso, um alpendre florido com uma grande mesa em madeira para os almoços domingueiros e a escrita incidental, um jardim com um grande chorão, onde eu poderia pendurar um balouço para dois.

Ao invés, ando aos caídos, inventando-me turista, procurando nos caminhos do meu passado, porque perdido estou. Forço o destino, falho, como sempre me aconteceu no passado, a rapariga foge a sete pés. E a verdade técnica é que eu continuo casado e pergunto-me porque não funcionou. Pergunta de retórica porque afinal sei-o muito bem.

Escrevo pouco, devia escrever mais, mas doem-me a cabeça e as costas.

Aos 40 anos é proibido estar aqui a perguntar "É por aqui?". Oh eu, que sempre quis ir por onde ninguém indicava, sempre acabei por borregamente seguir os caminhos balizados. Jamais du hors-piste? Quel talent! Estou novamente numa encruzilhada, a J. e eu. Vais por ali? Eu, talvez por aqui. Obrigado por teres feito o caminho comigo até aqui. Foi bom, foi generoso, foi bonito, mas o trilho parece terminar aqui. E agora?

Tiro as sandálias, sacudo a areia. E agora? Estou descalço. Calço novamente as sandálias ou vou mesmo assim? Sei lá! E agora? Nem sei para que ponto do horizonte olhar. Seguir o vento? Como se isso fosse a solução. Mau-grado, chupo o indicador e estico-o no ar. No reflexo seguinte abro a mão ao vento, estico a outra, miro as minhas mãos bronzeadas e semi-velhas, a pele seca das nozes, a cicatriz quase apagada de uma queimadura de infância, viro-as, as palmas brancas rabiscadas de linhas da vida e de amor não me revelam nada. Qual a trave-mestra do meu caminho, da minha vida? Que destino? O meu destino já mudou tantas vezes, o que mostra desde logo toda a fiabilidade do destino! Faço eu bem em não acreditar nestas merdas? Mas agora dava-me um jeitão acreditar.

Vim sozinho de férias para me reencontrar, para fazer reboot, para desligar, para me distanciar de tudo e para estar comigo mesmo. Porque é tão difícil estar comigo mesmo se tantas vezes almejei por instantes assim? E agora, aqui tens! E agora?

Doem-me as costas.

Rodeio-me de livros, compro compulsivamente dois, quatro, oito, dezasseis. Leio um, dois, três... literatura, viagens, política, filosofia, história, poesia... deixo a meio, jogo para o lado, não me dizem nada, não têm soluções para nada. Parece que nunca ninguém escreveu nada sobre nada no Mundo...

Já que a vida me pôs entre parênteses, aproveito esta pausa, esta ida à box, para me instruir, para ler, mas quanto mais leio mais tonturas tenho e certezas de que não tenho certezas nenhuma.

Leio, escrevo, andava com falta de tempo para isto.

Escrever? Escurecer páginas. Que me traz isso? Enegrecer folhas de cadernos e cadernos. Para quê? Tanta tinta vertida, para quê?

- Ser como a espuma do mar, que não fica agarrada a nenhuma onda, viajar de maré em maré, oceanos fora, espraiar de vez em quando...

- Epá, não consegues fazer melhor que isso? Tantos livros emborcados, tanta teoria engolida, tanta literatura, pffff, é só letra!

- Às vezes só me apetece esmurrar-me, um uppercut bem mandado contra o próprio queixo. Mas falta-me... balanço, jeito, coragem, tomates. Tento não observar-me de longe, porque ficaria com ainda mais raiva. Miro-me de perto e fico com piedade. Que bom!... Resistindo às ganas de me esganar, vou sobrevivendo. E é isto que se vê!

- Ok, queres um conselho? Este é grátis: não digas, faz! Não ameaces, sê! Não ameaces beijar, beija!
E o que é que tu fizeste? Exactamente o contrário! O c-o-n-t-r-á-r-i-o!!!???

- Olha, vai à merda! Volta pra puta da tua mansarda, que é o único sítio de onde nunca devias ter saído, o único lugar onde és alguém. Ah, vai-te... já que não fazes nada para te vir! Sim, qual é o problema, eu também sei fazer trocadilhos merdosos, que não valem peva. Não tens a exclusividade da mediocridade!

- Ideia luminosa para uma pick-up line infalível para meter conversa com a rapariga sozinha da toalha ao lado: "Você está sozinha, eu estou sozinho, posso fazer-lhe companhia?" Simples, directo, despretensioso, pergunta fechada, fácil de responder, de reagir, pões todas as peças na metade dela do tabuleiro. Se ela quiser baldeá-las, pode-o com um plácido "Não!"

- Ok, ok, essa é a teoria. Então, e a prática?

- A prática? Fico revolvendo a frase no cerebrozito, acanho-me, desvio o olhar, admiro o casal do outro lado a beijar-se e fico com os olhos rasos de água...

- Pffff, paneleirice!....

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