sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Leitartikel Contacto: Jornalismo amordaçado

Jornalismo amordaçado

A 17 de Dezembro, o CONTACTO publicava uma reportagem contando a história de dois menores portugueses que haviam sido retirados à custódia dos pais. Estes últimos confiavam-nos a sua indignação com uma decisão de justiça que consideravam injusta e tinha devastado as suas vidas e a dos seus filhos.

Contámos apenas dois casos, embora saibamos que muitos mais existam, mas que os familiares se calam por medo ou por desconhecerem como podem lutar pelos seus direitos.

Foi esta reportagem – que nos mereceu os mais rasgados elogios por parte de muitos leitores e da qual nos sentimos extremamente orgulhosos – que suscitou duas queixas: uma por difamação e calúnia por parte do assistente social mencionado na reportagem; outra, do Ministério Público por termos revelado a identidade do menor, o que a lei da imprensa proíbe, no art°18. Se decidimos avançar com a publicação da mesma foi por considerarmos que esta era uma questão de sociedade que tocava a comunidade portuguesa e porque ao abrigo do art°19 dessa mesma lei, é permitido revelar a identidade do menor "quando isso é feito no interesse do menor e com o consentimento dos pais". Era esse o caso. O jornalista fez assim o seu trabalho no respeito pela lei e de acordo com a sua consciência e honestidade intelectual.

Mas independentemente das queixas, que devem ser discutidas em sede própria – no Tribunal –, o que denunciamos de forma veemente são as buscas ilegais e a apreensão de material jornalístico, inadmissíveis numa democracia, efectuadas pela Polícia Judiciária nas instalações do CONTACTO na mais pura ilegalidade e com manifesta desproporção de meios, como se com criminosos estivesse a lidar.

Afinal o Luxemburgo é um Estado de Direito ou alguma república bananeira disfarçada de país? Como pode um juiz emitir um mandado que sabe – ou devia saber – ser ilegal e violar uma das pedras angulares da lei da imprensa, a da protecção das fontes, consagrada não só pela legislação luxemburguesa como pela Convenção dos Direitos do Homem, e sem a qual trabalho jornalístico algum seria possível? Tudo isso foi aqui violado quinta-feira pela polícia.

A lei luxemburguesa proíbe buscas nas redacções ou no domícilio do jornalista, excepto em caso de crimes graves contra as pessoas, terrorismo, tráfico de droga, branqueamento de capitais ou ameaça à segurança do Estado. A nossa reportagem não configurava nenhuma das excepções previstas na lei. E o que não está na lei, está forçosamente fora dela.

O que levou então um juiz a emitir um mandado deste teor e a enviar três agentes da polícia (incluindo um perito em informática) ao nosso jornal? O que procuravam quando confiscaram o bloco-notas do jornalista e enfiaram, à nossa revelia, um stick USB num dos computadores da Redacção, alegadamente para descarregar o dito artigo em formato digital? Aparentemente, nada.

É que as informações que constavam dos documentos apreendidos – como o nome dos entrevistados, o que disseram ao jornalista, etc. –, foram publicados na reportagem, como a própria polícia admitiu segunda-feira ao devolver o material apreendido. Sim, porque, por iniciativa própria ou por pressão da opinião pública – recorde-se que o procurador de Estado foi entretanto instado a explicar-se ao Conselho de Imprensa –, o mesmo juiz que assinara o mandado anulou-o três dias depois.

A pergunta permanece: o que pretendia os agentes da polícia judiciária? Teria procedido da mesma forma se a queixa não viesse de um assistente social que trabalha lado a lado com o Tribunal de Menores e é pois próximo da administração judicial? Tratou-se de um faux pas , de uma tentativa de intimidação, ou pior, da incompetência de um juiz que desconhece a lei?

Mais do que tudo isto, coloca-se a questão da missão do jornalista se num Estado de Direito o trabalho de um funcionário estatal ou da justiça deixa de poder ser questionado pelos jornalistas. A imprensa é um dos pilares fundamentais da democracia, o seu “cão de guarda”, como preconiza o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Mas até que ponto isso é verdade no Luxemburgo?

O artigo de opinião que denunciava o “jornalismo-conferências de imprensa” praticado no Grão-Ducado, publicado na página 3 na nossa edição da semana passada, era estranhamente premonitório. As buscas de quinta-feira, as queixas do assistente social e do Ministério Público mostram que, neste país, todo o jornalista que, por idealismo ou imprudência, ouse afastar-se do perímetro protegido das conferências de imprensa ou da verdade anunciada por comunicado interposto, arrisca-se a sarilhos, enquanto outros levam uma vidinha sossegada e pacata de repórter-relator dos poderosos. Para nós, estas duas definições estão em contradição. Pelo menos, na nossa concepção do jornalismo.

As buscas ilegais perpetradas pela polícia ao CONTACTO, as queixas dirigidas contra nós deixam-nos indignados e revoltados. Mas não amordaçados.

José Luís Correia
in
Contacto de 13.05.2009

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